*Maria José Rocha Lima
Há alguns dias, ao conversar com o psiquiatra Hoel Mendes, conterrâneo, fundador da Clínica de Assistência Mental –AME -, fui provocada a pensar nas relações entre ética e responsabilidade. A mãe do psiquiatra, Dona Agnar Mendes, fora acometida de um mal estar e se dirigiu a uma unidade de saúde, e o médico a fez retornar para casa, como se não fosse nada importante. Ao ligar para mãe, Hoel se preocupou quando ela descreveu os sintomas. A mãe apresentava todos os sinais de um infarto. Ele a medicou por telefone e pegou o primeiro voo para a Bahia.
Há algum tempo, venho me dedicando ao estudo da Ética do Cuidar, a Ética da Responsabilidade em Winnicott (1896-1971); a concepção de Donald Winnicott, psiquiatra, pediatra, psicólogo e psicanalista, quase sempre aplicada ao bebê, fui adiante nas minhas elucubrações. Para o filósofo Zeljko Loparic(2017)[1], diferentemente dos gregos antigos, que entendiam a ética como vida boa, sem responsabilidades, tempo livre para o ócio, para filosofar; diferentemente de Kant, que entendia a ética como dever e respeito às leis, Winnicott diz que ser ético é ter responsabilidade com o outro. E a primeira responsabilidade é da mãe com o filho. Para ele, o bebê só passa a existir, só é mantido existindo e só continuará a existir se tiver uma mãe devotada, uma mãe ou substituta 24 horas, alguém que lhe permita existir, antes de ser um vida boa e antes de respeitar leis, como queria Kant.
Confesso que eu já compreendia bem do cuidado, da responsabilidade da mãe pelo filho, mas do filho com a mãe? Desconstrução do tal ditado popular “uma mãe é para 100 filhos e 100 filhos não são para uma mãe”.
O relato do médico me provocou para entrar em contato com uma fábula/nito do Cuidado de Higino, da Grécia Antiga, uma bela alegoria que nos faz pensar que o cuidado é condição para a existência, continuidade e finitude do ser humano.
Por isso, recomendo a leitura da Fábula de Higino:
“Um dia, quando Cuidado atravessava um rio, ele resolveu apanhar um pouco de barro e começar a moldar um ser, que ao final apresentou a forma humana. Enquanto olhava para sua obra e avaliava o que tinha feito, Júpiter se aproximou. Cuidado pediu então a ele para dar o espírito da vida para aquele ser, no que Júpiter prontamente atendeu. Cuidado, satisfeito, quis dar um nome àquele ser, mas Júpiter, orgulhoso, disse que o seu nome é que deveria ser dado a ele. Enquanto Cuidado e Júpiter discutiam, Terra surge e lembra que ela é quem deveria dar um nome àquele ser, já que ele tinha sido feito da matéria de seu próprio corpo — o barro. Finalmente, para resolver a questão, os três disputantes aceitaram Saturno como juiz. Saturno decidiu, em seu senso de justiça, que Júpiter, quem deu o espírito ao ser, receberia de volta sua alma depois da morte; Terra, como havia dado a própria substância para o corpo dele, o receberia de volta quando morresse. Mas, disse a Saturno, “já que Cuidado antecedeu a Júpiter e à Terra e lhe deu a forma humana, que ele lhe dê assistência: que o acompanhe, conserve sua vida e lhe dê o apoio enquanto ele viver. Quanto ao nome, ele será chamado Homo (o nome em latim para Homem), já que ele foi feito do humus da terra”[2]
[1] Café Filosófico. Fundação Padre Anchieta. São Paulo. 5 de nov. de 2017. Consulta realizada 25/02/2021.
[2] *** REICH, W.T. (ed.). “Care”. IN: Encyclopedia of Bioethics, 2nd. ed., New York, Simon & Schuster Macmillan, 1995, v. 5RIBEIRO, C.R.de O. O mito do cuidado Rev. latino-am. enfermagem – Ribeirão Preto – v. 9 – n. 1 – p. 123-124 – janeiro 2001, p.123. Consulta realizada 25/02/2021