Tião Lucena*
A rua estava cheia, a casa lotada, pessoas corriam com os braços levantados, Maria de João Dino estava às portas da morte. Uma espinha de peixe traíra, das grandes, estava enganchada na sua garganta, não descia nem subia, remédio nenhuma dava jeito.
Os dois médicos da cidade já haviam tentado de tudo, enfiaram pince, alicates, o dedo grande da mão, mas o espinho não se movia.
Seu Alfredo da farmácia, famoso pelas meizinhas que ministrava nos pacientes que o procuravam, tentara lavagem estomacal, mandara fazer gargarejo com água quente e sal, mas o espinho não saía.
E Maria gemia, engulhava, revirava os olhos, se desesperava, corria risco de morrer por sufocamento.
– O jeito é levar pra Serra Talhada= -, sugeriu Silivestre, já pondo seu caminhão Chevrolet 58 à disposição de João Dino para levar a desesperada mulher.
A espinha era de uma traíra grande, lombo preto, de quase três quilos, pescada por Vigó no paredão do Açude Velho e vendida ainda fresca ao vizinho e amigo.
Maria preparou a traíra no leite de gado, com bastante coentro e cebola roxa. O cheiro do peixe ficara tão forte que incensou a vizinhança.
E coube exatamente a ela o primeiro pedaço, do lombo, que Maria engoliu com espinha e tudo.
Gabava-se de saber comer traíra sem correr riscos com engasgamento.
Na cidade, só ela e Zé Góes comiam o peixe com espinha e tudo.
Mas a espinha da traíra que Vigó pescou era maior do que as outras espinhas, velhas conhecidas de Maria.
E ficou entalada na goela, sem descer e sem subir.
Nos preparativos para transportar a paciente para Serra Talhada, quase ninguém notou a entrada de Luiz Ribeiro no recinto.
O velho e famoso raizeiro se dirigia à roça que tinha na Timbaúba e, ao ver o entra e sai de gente na casa de João Dino, entrou também para ver o que era.
– Podem parar com o agresso que eu dou um jeito -, gritou seu Luiz.
Todo mundo parou. E muita gente duvidou.
Como dar jeito numa coisa que nem Doutor Zezito, nem Doutor Severiano, tampouco Seu Alfredo da Farmácia deram?
Luiz Ribeiro ordenou ao povo que se afastasse de Maria, pediu um prato cheio com farinha seca, pegou ele mesmo um generoso punhado com uma das mãos, mandou Maria abrir a boca, jogou o generoso punhado de farinha na boca dela e deu a voz de comando:
– Engula!
Maria engoliu de uma vez e o bolo entalou no meio da goela. Aí Luiz Ribeiro abriu a mão e deu um tapa com força nas costas de Maria.
Foi o tapa batendo e o bolo de farinha descendo com espinha e tudo.
Enxugando o suor da testa, Luiz Ribeiro sorriu para João Dino e se dispôs:
– Se enganchar na saída, pode me chamar que eu resolvo.