Fundadora da Apepi recebeu decisão favorável da Justiça para plantio e venda de Cannabis para uso medicinal em sua fazenda no interior do RJ
Aline Massuca/ Reprodução. A fazenda produz entre 1500 e 1700 vidrinhos de óleos essenciais todos os meses
Rio de Janeiro – Em um espaço de 400 mil metros quadrados em Paty de Alferes, no interior do Rio de Janeiro, destaca-se um campo verdíssimo. Ali, planta-se Cannabis para fins medicinais. O espaço da Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi) produz todos os meses de 1,5 mil a 1,7 mil frascos de óleo da planta, que ajudam pacientes a enfrentar questões como autismo, fibromialgia epilepsia.
Cerca de 400 pessoas pedem para se associar à entidade mensalmente, mas ainda não há como aumentar a produção. “A demanda é infinita. Não sei aonde vamos chegar, mas não temos como fornecer para todo mundo. Nossa preocupação hoje é dar continuidade ao tratamento daqueles que já começaram”, disse a fundadora da entidade que existe desde 2014, Margarete Brito, 50.
A fazenda, instalada em Paty de Alferes há quase um ano e meio, teve uma grande vitória no fim de fevereiro e virou a primeira a produzir Cannabis de forma legal no Rio de Janeiro, após decisão da Justiça.
“Com essa sentença, o que muda são algumas questões práticas de regulação. Para continuarmos o cultivo e atendermos mais gente, precisamos de parceiras oficiais. Quando está tudo ilegal, acaba travado”, conta Margarete.
O medicamento produzido lá vai direto para o Centro do Rio, no escritório da Apepi, onde 3 mil famílias cadastradas retiram seus pedidos com receita médica. Adultos com fibromialgia, TDH, Parkinson, Alzheimer e doenças psiquiátricas são os que mais demandam o óleo de Cannabis. Já no caso das crianças, o carro-chefe é o autismo e as crises fortes de epilepsia.
Parcerias e segurança jurídica
A entidade consegue, agora, correr atrás de parcerias. “Assim, podemos ir até a Vigilância Sanitária local e pedir ajuda na regulamentação do alvará de funcionamento, porque o juiz está mandando. Podemos ir à UFRJ solicitar a assinatura em um termo de cooperação de pesquisa com a gente”, explica a fundadora.
A sentença permite que a fazenda funcione de forma legalizada temporariamente. A tendência é que a Anvisa recorra da decisão alegando que eles não podem plantar e comercializar, porque não são uma indústria farmacêutica.
“Quando entramos com a ação, falamos com o juiz que já plantávamos e precisamos fazer isso porque tem muita gente que realiza o uso diário desse medicamento. Só não queremos ficar ilegais. Precisamos de uma segurança jurídica.”
Sem essa proteção, ela e o marido temem que a Polícia possa entrar no local para destruir a plantação. “Durante uma operação, seis viaturas invadiram, tomaram o celular de 10 pessoas e levaram duas para a delegacia. Eles falaram que receberam uma denúncia de que aqui havia uma fazenda de maconha inclusive com uma refinaria. Felizmente, conseguimos reverter, o delegado até se desculpou”, contou Margarete.
A Justiça permite que a Apepi cultive, transporte, forneça, manipule e faça pesquisa com a Cannabis. “O que segura a gente é a seriedade do nosso trabalho, a legitimidade, a rastreabilidade. Desde quando a planta ainda é um clone, antes mesmo de virar muda, até ir para o frasquinho em formato de óleo essencial, nós rastreamos todas as etapas, tudo com QR Code”, explicou Margarete.
“Ato de desobediência pacífica”
A Apepi surgiu em 2014 quando a advogada Margarete Brito e o designer Marcos Langenbach descobriram que o único medicamento que seria capaz de controlar as crises convulsivas da filha seria a Cannabis. Sofia Langenbach, de 13 anos, é portadora de CDKL5, uma síndrome sem cura.
“Isso aqui é um ato de desobediência pacífica. A Apepi não nasceu para fazer isso. A associação surgiu há oito anos para que o Estado faça isso o que a gente está fazendo. Há dois anos, decidimos começar as plantações porque o Estado não tomou nenhuma atitude até agora”, diz a dona.
Sem conhecimentos técnicos, o casal se cercou de pessoas que entendem do assunto. Hoje, a fazenda é composta por engenheiro agrônomo, farmacêuticas, jardineiros, entre outros.
Margarete aguarda que o processo chegue ao STF, na esperança de que o cultivo seja legalizado definitivamente e não apenas por uma sentença que cabe recurso. Além disso, a Apepi conta com um projeto de lei na Câmara dos Deputados. Se for autorizado, será permitido plantar a Cannabis por meio de associações – e as indústrias farmacêuticas para a comercialização.
“Erva demonizada”
Antes de ir para o enorme espaço no interior do Rio, o casal possuía uma plantação na Urca, zona sul da cidade. “Tinha 40 metros quadrados e conseguíamos produzir no máximo 30, 40 frascos por mês”, conta a advogada.
Cada frasco é vendido a R$ 180 para os associados da Apepi. Na farmácia, é possível encontrar por R$ 2,5 mil, com receita médica.
“Começamos a procurar um espaço e recebemos muitos nãos quando falávamos que seria para plantar maconha. Ficamos um ano procurando e foi batendo um desespero. Até que achamos esse local à venda. Passamos o chapéu para família, amigos, levantamos uma grana e arrematamos.”
A chegada da fazenda há 16 meses repercutiu em Paty de Alferes, cidade famosa pela tradicional Festa do Tomate. “A Cannabis é muito demonizada. Muda a qualidade de vida das pessoas. Não é uma erva do demônio e nem milagrosa. É uma erva que tem função medicinal comprovada cientificamente e ponto. Contra fatos não há argumentos”, disse Margarete.
O engenheiro agrônomo Diego Mantovaneli, 36, saiu do Rio para morar na cidade. “Existe um mosaico de interpretações que vão desde as pessoas que apoiam, que veem os parentes empregados [são 30 funcionários], às pessoas que acham que isso é uma pouca vergonha”, conta.
Planos
O designer Marcos Langenbach, 42, é marido de Margarete, pai da Sofia e responsável pela parte financeira, administrativa e tecnológica do local. “Temos um espaço grande, estamos nos adequando e nosso objetivo é triplicar a produção. Queremos produzir mensalmente cinco mil frascos do óleo”, contou.
O clonário é uma das etapas mais essenciais da fazenda. Lá, cultiva-se diferentes variedades de Cannabis, acondicionadas em microclima propício para o desenvolvimento de raízes.
A partir daí, a planta se desenvolve e segue para a parte da vega, onde exibe o crescimento adequado. Após virar uma muda, já está pronta para a etapa da flora, onde é plantada.
Segundo Marcos, o clonário dita o ritmo da entidade. Desse momento até a parte final, ao virar óleo essencial, leva cerca de cinco meses.
“Estamos investindo no clonário e preparando o espaço para elas serem plantadas. Acho necessário investirmos em tecnologia e capacitação dos nossos profissionais. A meta é acabar o ano com 50 funcionários na fazenda”, disse.