A rota do desmanche é alvo de investigação da Polícia Civil, que identificou como funciona a engrenagem que movimenta um esquema milionário
Todos os dias, centenas de peças retiradas de carros roubados e furtados no Distrito Federal percorrem um caminho específico até chegarem às mãos do consumidor final. A rota do desmanche de veículos é alvo de investigação da Polícia Civil, que identificou como funcionam as engrenagens que movimentam um esquema milionário na capital da República.
Objeto de desejo de quadrilhas especializadas, veículos que circulam pelas regiões administrativas do DF foram alvo de 21.669 roubos e furtos, entre janeiro de 2019 e abril deste ano. O desmanche e a venda de peças, como portas, faróis e capôs, entre outras, estimulam a ação dos “puxadores” – como são chamados os ladrões com expertise em arrombar e ligar os veículos em questão de segundos.
A estrutura criminosa – que absorve os produtos do crime e devolve ao mercado peças “mascaradas”, como se fossem legítimas – tornou-se sofisticada e se enraizou em meio ao comércio legalizado. Segundo investigações da Divisão de Combate à Adulteração de Veículos e Desmanches (Dirad), da Coordenação de Repressão a Crimes Patrimoniais (Corpatri), o esquema passou a utilizar empresas fantasmas, que emitem notas fiscais frias para dissimular a origem criminosa dos equipamentos automotivos.
Transporte camuflado
Para transportar peças roubadas e furtadas dentro do DF ou para outras unidades da Federação, os criminosos usam diversas estratégias; entre elas, o uso das notas fiscais frias. “Essas notas são emitidas em nome de empresas fantasmas e a descrição do conteúdo não corresponde à carga levada pelo transportador. Todavia, como as peças vêm embaralhadas no interior de grandes caminhões, a fiscalização nas rodovias não consegue perceber a falsidade”, explica o delegado Eric Sallum.
A Corpatri, em uma de suas investigações, apreendeu um dos caminhões usados pelas quadrilhas e retirou toda a carga para fiscalização. O trabalho demandou o esforço de sete pessoas e demorou quase dois dias para ser finalizado. “Ao retirar toda a carga, foram encontrados 10 carros perfeitos, totalmente desmontados (veja foto em destaque). Todos esses veículos tinham sido roubados ou furtados em Campinas e tinham como destinação diversas lojas de autopeças do Setor H Norte, em Taguatinga”, ressaltou o coordenador da Corpatri, delegado André Leite.
As apurações da PCDF identificaram que a indústria criminosa que se alimenta da revenda de autopeças estimula o roubo e furto de veículos. As investigações da delegacia especializada apontam que existe uma forte demanda por peças roubadas por parte de comerciantes. “Sempre haverá criminosos dispostos a roubar e furtar carros. Justamente por isso que o encarceramento em massa dos ladrões não resolve o problema. Afinal, sempre haverá outro disposto a substituir o criminoso e manter o esquema”, analisou Sallum.
Quatro destinos
A Corpatri mapeou quatro destinações possíveis para os veículos roubados e furtados no DF. A primeira delas é a troca por drogas em outros estados ou em países fronteiriços. A segunda tem como motivação o uso do carro para a prática de outros crimes, com posterior abandono do veículo. O terceiro destino é a clonagem e tentativa de reinserção no mercado. Por último, a mais comum, o desmanche para venda das autopeças.
Em decorrências das características do DF, em especial a distância do polos produtores de entorpecentes, a troca de veículos por drogas não é tão expressiva. A subtração de veículos para uso em outros crimes também ocorre, mas, muitas vezes, o carro é recuperado. Essa modalidade não representa grande parte das estatísticas.
Por sua vez, roubo e furto para clonagem demandam muito trabalho, pois a alteração de todos os sinais identificadores, em especial o NIV (número do chassis) requer um custoso serviço especializado que nem sempre os criminosos estão dispostos a arriscar. Sendo assim, resta a subtração dos carros para desmanche e posterior venda das partes. “É aqui que se encontra o grande problema do fenômeno do roubo e furto de veículos”, observa o delegado Eric Sallum.
Fiscalização
Em 2014, foi publicada, no Diário Oficial do DF (DODF), a lei do desmanche (Lei nº 12.977, de 2014). A norma tem por objetivo regulamentar o ramo de autopeças, e impedir que os lojistas possuam estoques de partes de veículos sem comprovação de origem. Mesmo sete anos após sua publicação, o dispositivo legal ainda não foi implementado no DF.
A atribuição de fiscalização das lojas de revenda de autopeças é do Departamento de Trânsito (Detran), que ainda não se adaptou internamente às previsões legais. Segundo o diretor-geral do órgão no DF, Zelio Maia, existem duas frentes de atuação que estão em andamento para serem implementadas. “A primeira é a montagem de um módulo feito por nossa área de tecnologia da informação. Iremos fazer o credenciamento de todas as empresas e o reconhecimento de cada peça por meio de QR Code. Esse serviço deve estar disponível em cerca de 40 dias”, garantiu.
Zelio afirmou também que o Detran realiza tratativas para criar uma coordenação de credenciamento, com estrutura montada e com servidores à disposição. “Esse projeto já seguiu para a Secretaria de Economia para aprovação e deverá ser publicado por meio de decreto assinado pelo governador”, disse.