Com morte de Lázaro Barbosa após 20 dias de buscas, secretaria de segurança pública de Goiás apura participação de outras pessoas
Lázaro foi levado com vida para o Hospital Municipal de Águas Lindas (GO), mas não resistiu aos ferimentos – (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press )
A caçada a Lázaro Barbosa de Sousa, 32 anos, apontado como responsável pelo assassinato de uma família em Ceilândia Norte, terminou nessa segunda-feira (28/6). Após 20 dias de buscas, o criminoso morreu baleado durante um confronto com a polícia, em Águas Lindas (GO) — município a cerca de 50km de Brasília. No entanto, para o secretário de Segurança Pública do estado, Rodney Miranda, o foragido era a ponta do iceberg em um esquema criminoso. Agora, investigadores trabalham para identificar outros suspeitos de envolvimento nos delitos cometidos pelo acusado.
O chefe da pasta acredita na ação de uma quadrilha e não descarta a hipótese de participação do fazendeiro Elmi Caetano Evangelista, 74, preso na quinta-feira (24/6) por suspeita de ajudar o procurado na fuga. “Ele (Lázaro) é um psicopata, mas não cometia crimes só por causa da psicopatia. Agia para acobertar ou beneficiar alguém. Sabemos que, em alguns desses crimes, ele não agiu sozinho”, declarou Rodney. “Ainda temos algumas pessoas para investigar e prender. Mas o principal, que seria o empresário (Elmi Caetano), um dos líderes da organização, (e Lázaro) não são mais problemas para esta comunidade. Encerramos mais uma etapa importantíssima, porque os chacareiros e a população vão restabelecer a normalidade. Mas ainda temos mais gente para buscar”, reforçou.
Lázaro é investigado em, ao menos, oito inquéritos policiais envolvendo latrocínios — roubo seguido de morte — e homicídios. A megaoperação de busca por ele começou em 9 de junho, quando a polícia começou a investigar um triplo homicídio no Incra 9. As vítimas eram Cláudio Vidal de Oliveira, 48, assim como os filhos dele, Gustavo Marques Vidal, 21, e Carlos Eduardo Marques Vidal, 15. Casada com o empresário, a mãe dos jovens, Cleonice Marques, 43, havia desaparecido. Os investigadores suspeitaram de sequestro.
A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) divulgou a foto de Lázaro como principal acusado de cometer a barbárie. A descoberta ocorreu após a coleta e análise de impressões digitais encontradas no local da chacina. A apuração permitiu aos agentes acessar a ficha criminal do suspeito, o que revelou um longo histórico de participação em ações violentas. Em 12 de junho, o corpo da empresária foi encontrado, de bruços, sem roupas, em um córrego no Sol Nascente, a cerca de 8km da chácara onde ela morava com a família. Em fuga, Lázaro começou a espalhar terror por regiões próximas.
Frente a frente
Na sexta-feira (25/6), dois homens foram presos suspeitos de ajudarem Lázaro a se esconder. Um deles, Elmi Caetano, estava com armas que o fugitivo havia roubado em Cocalzinho (GO): duas espingardas garruchas calibre 22, com 50 balas. O caseiro que trabalhava na propriedade do fazendeiro, Alain Reis de Santana, 32, foi liberado após audiência de custódia.
O funcionário da fazenda contou ao Correio que fazia pequenos serviços no local. “Conheço (Elmi) há três anos. Trabalhava como ajudante de pedreiro, lavava as lojas, sempre fazia bicos. Mas nem conversávamos muito, porque ele me deixava na fazenda, cuidava dos bichos e saía”, relatou. Alain relatou que esteve frente a frente com Lázaro pela primeira vez em 18 de junho. “Fui arrumar uma cerca e, quando voltei, peguei uma bacia para levar para o fundo (do imóvel). Quando acendi a luz, ele estava ao lado, com uma espingarda na mão”, detalhou o caseiro.
Em outra oportunidade, o caseiro conversou com o fugitivo: “Fui arrumar a cerca no poleiro, porque os pintinhos estavam fugindo, e, quando olhei para ele, eu me assustei. Ele disse que sabia muito bem que eu ficava no fundo da fazenda e que me matava se eu falasse, pois sabia onde eu morava. Ele estava com uma faixa na perna, que estava inchada, e mancava”. Lázaro também dormia e se alimentava na fazenda, segundo Alain. “Ele (Elmi) sempre chegava na porta para fazer almoço e gritava ‘Lázaro a comida está pronta, vem comer’. Eu me assustava, mas levava na brincadeira. Ele é uma pessoa fria, que mata sorrindo”, completou.
Repercussão
A morte de Lázaro gerou celebração entre autoridades envolvidas ou não no caso. Em entrevista coletiva no fim da manhã de segunda-feira (28/6), o secretário Rodney Miranda comentou a operação e disse que o fugitivo trocou tiros com a polícia. “Ele foi socorrido com vida, mas, chegando ao hospital (municipal de Águas Lindas), veio a óbito. Ele descarregou uma pistola, possivelmente uma (calibre) 380, para cima dos policiais”, afirmou o chefe da SSP-GO.
Para o secretário, as equipes conseguiram manter a segurança na região. “Como havíamos prometido, restabelecemos a paz e a tranquilidade nesta comunidade de bem. Nos últimos dias, depois que ele (Lázaro) saiu da zona de conforto e após prendermos uma parte das pessoas que o acobertavam, apertamos o cerco”, ressaltou. “Descobrimos que ele tinha tentado entrar em contato com parentes na periferia de Águas Lindas. E temos filmagens dele armado. Fizemos o cerco, ele tentou fugir e se confrontou com a equipe. (Foi um) trabalho coletivo em que, graças a Deus, nenhum policial ficou ferido. Na hora da abordagem, ele descarregou a pistola em cima dos policiais. Não tivemos outra alternativa senão revidar”, acrescentou Rodney.
Questionado sobre a relação de Lázaro com a ex-sogra e a ex-companheira, o secretário confirmou que o criminoso havia ido para a casa delas na noite anterior, enquanto as polícias monitoravam a região, na periferia de Águas Lindas. “Tentamos pegá-lo ali. Ele chegou a ameaçar alguns policiais, dizendo que, se entrassem na mata atrás dele, ele daria tiro na cara. Fizemos o cerco prudente e tecnicamente. Ele foi encontrado, além da arma, com cerca de R$ 4,4 mil no bolso”, afirmou. Para Miranda, essa seria mais uma prova de que pessoas o ajudaram: “Ele atuava como jagunço e segurança de algumas pessoas”.
Além disso, após receber críticas da população sobre o excesso de violência das equipes na prisão de Lázaro, Rodney Miranda comentou que não aceitaria esse tipo de afirmação. “Só quem está na ação pode dizer o que e como ocorreu. Nossos policiais estão de parabéns. Não era o desfecho que queríamos, mas estávamos preparados para enfrentar (o fugitivo)”, argumentou.
Contraponto
Ação sem excessos
A ação (da prisão) foi absolutamente legítima. A polícia sabia que se tratava de um criminoso de altíssima periculosidade e que ele havia acabado de cometer outros crimes, além de ter um histórico de processos por violência, estupros e homicídios. Não era possível esperar outra recepção de Lázaro que não fosse armada. A polícia agiu dentro do poder que tem, no estrito cumprimento da missão legal. Não vejo abusos nem excessos na ação. Ela tenta negociar rendição, mas, a partir do momento em que é recebida a tiros, pode agir na forma que a lei permite, cumprindo o dever de tirar das ruas e tentar deter criminosos. A operação não pode colocar em risco a vida de nenhum agente. A polícia não sai em diligência para matar. O objetivo é prender. A morte é uma consequência da ação do criminoso — a reação é dentro disso. Existe o excludente de antijuridicidade, em que a lei permite que a pessoa, no caso a polícia, use esse excludente, ainda que por meio de violência.
Daniel Bialski, advogado criminalista e mestre em processo penal
Cabem apurações
É necessário saber exatamente o que aconteceu. É preciso apurar como foi feita a abordagem, porque alguns elementos indicam que pode, em tese, ter havido algum exagero na reação dos policiais, que estavam em maior número, com armamentos mais pesados e fizeram diversos disparos de arma de fogo — em uma região letal, com muitos na cabeça. Para saber se houve exagero ou não, é necessário entender todas as circunstâncias do caso concreto. A morte de uma pessoa, quando ocorre nesse contexto, exige do Estado apuração daquilo que, de fato, aconteceu: seja por parte de um criminoso ou de uma pessoa de bem. Também é preciso entender se havia necessidade de remoção do corpo do local, porque isso dificulta o trabalho de investigação das circunstâncias da morte, de certa forma. Mas tudo é muito contingencial: se houve exagero, a segunda pergunta a ser feita é se isso foi por ação culposa (não intencional), dolosa ou por um terceiro motivo. Os policiais estavam sob muita pressão e, de fato, o Lázaro era uma pessoa perigosa. Tudo precisa ser levado em conta, não apenas a quantidade de tiros disparados.
Claudio Bidino, mestre em criminologia, justiça criminal e em direito penal
Com informações do Correio