Confira a seguir o que dizem especialistas sobre questões contratuais e cobranças de dívidas na pandemia
Na pandemia, muitos franqueados precisaram pedir socorro às franqueadoras. Custos previstos em contratos, que incluem pagamento de royalties e taxas de marketing, tiveram de ser renegociados com adiamentos de prazos e parcelamentos.
Algumas marcas concederam descontos ou até mesmo isenção em alguns meses. Com maior poder de negociação, representantes das franqueadoras também têm sentado à mesa com os empreendedores para ajudá-los na negociação com os donos dos imóveis.
Confira a seguir o que dizem especialistas sobre questões contratuais e cobranças de dívidas na pandemia.
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ROYALTIES E TAXAS CONTRATUAIS
O não pagamento de taxas de royalties ou de publicidade configura descumprimento contratual e pode gerar multa de até 30% do valor da franquia, segundo o advogado Júlio Diamantino, fundador do escritório Diamantino Advogados.
Em casos mais extremos, a inadimplência pode provocar a rescisão do contrato e a perda de direito do uso da marca.
Na maioria dos casos, o valor dos royalties incide sobre uma taxa do faturamento. No período de restrições mais severas, lojas que operam apenas no sistema delivery têm de pagar taxa proporcional.
Na pandemia, entretanto, para evitar o fechamento de unidades, franquias têm negociado o adiamento de pagamento, parcelamentos e descontos. Em alguns casos, há suspensão temporária de cobrança.
Se o franqueado não consegue manter o negócio, durante a pandemia há maior espaço para o chamado distrato amigável, com concessões de parte a parte, às vezes sem a cobrança de multa ou com repasse da loja.
A queda nas vendas forçou as negociações, mas os problemas que chegam na Justiça envolvendo franquia contra franqueado são velhos conhecidos, segundo Andrea Oricchio, advogada e sócia do escritório de consultoria jurídica na área empresarial e de varejo que leva seu nome.
“Continuamos vendo ações judiciais, mas não baseadas em atrasos de royalties por causa da pandemia. Chegam reclamações, por exemplo, de concorrência desleal, em que o franqueado sai da rede e abre outra loja utilizando técnicas que aprendeu e levando inclusive a clientela “, diz Oricchio, que também é árbitra em disputas envolvendo franqueadores e franqueados.
ALUGUEL E CONDOMÍNIO
Segundo Sidnei Amendoeira, diretor jurídico da ABF (Associação Brasileira de Franchising), a grande maioria dos processos que são judicializados hoje não envolve franquia contra franqueado, mas sim franqueado e o locador do ponto. “Muitos shoppings têm sido intransigentes”, diz.
Contratos firmados com locadores antes da pandemia não perdem a validade automaticamente com o fechamento do comércio e medidas de lockdown. Para que o franqueado pague menos por causa dos períodos de restrição, ele precisa negociar.
Nesse caso, mesmo que a conversa seja amigável, é prudente registrar o combinado por escrito para o caso de descumprimento do acordo.
Mas nem todos os envolvidos estão conseguindo chegar a um meio-termo, e a Justiça tem recebido ações sobre valores da locação e cobranças por parte dos shoppings, caso de 13º do aluguel e reajustes de taxas.
“Na pandemia vimos reajustes de 30% do IGPM [Índice Geral de Preços do Mercado], enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo foi ajustado em apenas 4%. Isso gerou uma enxurrada de demandas”, diz Amendoeira.
Não há um prazo determinado para tolerância de atrasos de taxas e pagamentos de aluguéis. Os contratos variam caso a caso. Geralmente a rescisão do contrato é considerada com atrasos de mais de 60 dias. Esse limite, porém, tem sido flexibilizado na pandemia.
NEGOCIAÇÃO
Negociar, negociar e negociar. Essa é o mantra para que se chegue a um meio-termo para os dois lados. A judicialização é sempre o caminho mais caro e longo para a resolução dos conflitos, segundo a advogada Vanessa Albuquerque, sócia-proprietária da Montañés Albuquerque Advogados.
Franqueadoras têm poder maior de negociação quando comparado ao franqueado individual. O ideal é que participem das negociações para redução de valores cobrados pelos locadores, sejam shoppings, sejam proprietários de lojas de rua.
As marcas têm representatividade maior e, por vezes, equipe qualificada para esse tipo de iniciativa.
Em mais de 90% dos casos as franqueadoras têm participado do processo de negociação entre franqueados e locadores, dobrando as chances de sucesso, segundo Diamantino.
Diretor comercial da Espetto Carioca, Bruno Gorodicht, diz que a franqueadora participou 100% nas negociações com o shoppings. A marca tem 34 lojas pelo Brasil, metade delas dentro de centros de compras.
Segundo ele, a franquia obteve na negociação resultados melhores do que se o franqueado estivesse sozinho em 80% casos.
Se as partes não conseguem avançar na negociação, a orientação é que procurem a câmara de arbitragem, instância para resolução de conflitos de forma não judicial, ou sessão de conciliação, em que a tentativa de acordo é orientada por um juiz, segundo Felipe Laurindo, professor de direito empresarial do Complexo de Ensino Renato Saraiva.
“Além de custos altos, a disputa judicial é imprevisível. Há processos semelhantes com resultados diferentes Brasil afora”, diz Diamantino.
Vale lembrar que mesmo com interesse na manutenção de suas unidades, as franquias não têm obrigação contratual de participar de rodadas de negociações.
DECISÕES JUDICIAIS NA PANDEMIA
Não há entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre inadimplência na pandemia. Nas instâncias inferiores, o Judiciário tem sido mais flexível quanto à execução de cobranças.
No ano passado o governo federal sancionou a lei 14.010, que estabeleceu soluções temporárias nas relações jurídicas de direito privado.
“De modo geral, tribunais têm buscado reequilibrar as condições financeiras do contrato, reduzindo proporcionalmente valores de locação e a cobrança do 13º do aluguel”, diz Amendoeira.
Por lei, as ações de despejo de lojistas inadimplentes estão suspensas durante a pandemia, segundo Albuquerque. Ela diz também que, em alguns casos, o Judiciário atendido lojistas inadimplentes que pedem para que seus nomes não sejam incluídos em órgão de proteção de crédito. (FOLHAPRESS)