*Frutuoso Chaves
Li que essa coisa de superstição tem origem no tempo das bruxas medievais e seus gatos pretos. E que, desde então, habita a mente e o coração de muita gente mesmo nos grandes e modernos centros culturais do mundo.
Fugir do número 13, desse modo, não é, assim, uma exclusividade do subdesenvolvido que vos fala. Fazem isso, igualzinho, nos Estados Unidos, a ponto de certas companhias aéreas não oferecerem assento com esse número. Se revistas e crônicas não estiverem a mentir para mim, também não são raros, ali, prédios sem o décimo terceiro andar.
Homem de pouquíssimas viagens, sou levado por leituras a crer na aversão dos italianos ao número 17, sobretudo numa sexta-feira. E, da mesma forma, na dos chineses, japoneses e coreanos ao número quatro.
Chinelo virado? Corro para desvirar e, assim como eu, você também, confesse. Nunca fez pedido a uma estrela cadente? Duvi-dê-ó-dó. E bater na madeira três vezes para isolar algo ruim? E quanto a evitar a passagem por baixo de escada, cruzar os dedos para algo dar certo, ter orelhas queimando como sinal de difamação por línguas alheias?
Pois é, estou em muito boa companhia, a sua. Portanto, sem medo de confessar que tenho na oferta do meu lenço à primeira namoradinha a causa do nosso posterior rompimento.
Foi quando, aos 16 anos, a ela comuniquei minha mudança daquelas beiradas de Rio Paraíba. Iria de vez para João Pessoa, em razão da falência comercial de Seu Juca, meu pai, dono de padaria.
Ela ainda chorava ante meu argumento de que a pequena distância entre Pilar e a Capital nos permitiria contatos frequentes. Passei-lhe o lenço e não o peguei de volta.
Por que não tratei de ouvir Cauby? Ele bem que avisava: guardar o lenço alheio resulta em brigas de amor. No seu caso, foi ele próprio quem reteve o lenço não sei de quem. Mas suspeito. “Quando juntinhos uma vez o retrato tiramos, o teu lencinho guardei e sem querer nós brigamos”, cantava o moço, depois disso, a plenos pulmões para o Brasil todo escutar.
Infelizmente, a ele não dei ouvidos por mais que gostasse desse bolero. Tanto gostava que, vez ou outra, pedia a Zezinho da Serventia para cantá-lo naqueles bailes de fim de semana, à frente do conjunto do clarinetista Zé Borges. Eram meus primeiros bailes no Pavilhão Público, de piso lisinho, avermelhado. Ambiente aberto, ventilado.
Houve um tempo em que eu me inclinava a gostar mais dali do que da pista de dança do clube social onde o vento não corria e suava-se a cântaros. Mas foi somente até perceber certas vantagens. Entre elas, o ambiente do clube mais escuro e mais cheio, de muito bom proveito por quem desejasse fugir dos olhos abertos dos pais, ou irmãos da menina.
“Não vá para o meio”, era a recomendação invariável das mães às filhas, algumas mal-ouvidas, outras não. Aliás, o grau de atendimento aos conselhos maternos ditava o tempo de cadeira das moças. Dançavam muito mais as desobedientes.
Sei do caso em que uma dessas mães, incomodada com o sumiço da cria, invadiu a pista a fim de encontrá-la grudada feito carrapato ao garoto. Arrastou-a de volta à cadeira, enquanto o outro saía de fininho do salão. Mas juro que não foi comigo.
Voltemos, porém, ao tema. “Quem matou nosso amor for a superstição”, cantava Cauby naqueles idos. Pois bem, se a crendice era capaz de separar corações no Rio de Janeiro, onde o moço vivia, imagine, então, na pequena e acanhada Pilar, onde a fofoca andava a galope.
Por mais que eu sustentasse que o beijinho na bochecha daquela menina nova na cidade, vinda do Recife, era uma forma habitual de cumprimento nos centros maiores – coisa que o interior apenas começava a aprender – não recebi o mínimo crédito. “No Recife, é um beijo. No Rio, maior e mais adiantado, são dois”, expliquei em vão. E fiquei sem as duas. Ah, sim, também perdi o lenço.
Ficou-me a lição que de bom grado repasso aos amigos. Em qualquer idade, o cavalheirismo deve ter seus limites. Não pode ir ao ponto de um caso sem volta nem de lenços que nunca são devolvidos.
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).