Após embates com o Congresso, governo federal promoveu cortes no Orçamento de 2021 que atingirão duramente o programa habitacional
Ao menos 215,8 mil unidades habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida – transformado em Casa Verde e Amarela na atual gestão federal – terão as obras paralisadas com os cortes no Orçamento de 2021, definidos no Congresso em acordo com o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Do montante de unidades, 86,4 mil (o equivalente a cerca de 40% do total) estão no Nordeste, e 39,3 mil (18%), no Norte. Essas regiões apresentam os piores índices de déficit habitacional do país.
Os dados são do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), pasta responsável pelo programa, e foram levantados pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). A seguir, veja os números de residências, de acordo com as unidades federativas, que terão as obras paralisadas após a tesourada do governo federal:
Ao sancionar o Orçamento de 2021, após impasse com o Congresso Nacional, Bolsonaro vetou R$ 1,5 bilhão das despesas que estavam reservadas ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que financia as obras da faixa 1 – destinada a famílias de baixa renda, com vencimentos de até R$ 1,8 mil por mês – do Minha Casa Minha Vida.
Pesquisador da UnB e do FGV/Ibre e coordenador do Observatório de Política Fiscal, o economista Manoel Carlos Pires explica que essas construções são subsidiadas com recursos do Orçamento justamente para tornar as casas mais baratas.
“São famílias que moram de aluguel – por serem muito pobres, o aluguel consome uma parte muito grande do orçamento – ou que coabitam com outras famílias em uma mesma residência. Então, estamos falando do público mais pobre do Minha Casa Minha Vida e que mais depende de algum tipo de apoio governamental para adquirir a casa própria”, assinala.
“Além disso, toda vez que se para uma obra pública no meio, dessa maneira, fica muito caro retomar. A obra fica exposta ao tempo, não foi terminada. Então, tem uma ineficiência grande nessa questão”, complementa o economista.
De acordo com os dados do MDR, São Paulo (28,4 mil), Pará (25,9 mil) e Maranhão (20,4 mil) são os três estados com os maiores números de unidades habitacionais que terão as obras paralisadas.
O top 10 de unidades federativas mais atingidas pelo corte no Orçamento tem ainda Rio de Janeiro (15 mil), Alagoas (13,8 mil), Ceará (13,3 mil), Bahia (12,7 mil), Pernambuco (11,4 mil), Minas Gerais (9,6 mil) e Rio Grande do Sul (9,3 mil).
O presidente da Comissão da Habitação de Interesse Social da Cbic e relações institucionais do Sindicato da Indústria Civil da Bahia (Sinduscon-BA), Carlos Henrique Passos, avalia ser incrível – no sentido literal da palavra – que o país jogue fora tudo o que foi feito nos últimos anos.
“São obras praticamente acabadas, concluídas, que foram contratadas por volta de 2017 e 2018. Saem prejudicados os trabalhadores dessas empresas, que vão perder o emprego; as famílias, que não vão receber essas unidades; e a sociedade brasileira”, pontua.
“O prejuízo é enorme, desproporcional a qualquer tipo de raciocínio. Estamos falando de obras quase concluídas. A gente fica incrédulo em saber como que houve atitude dessa magnitude. O impacto dentro da construção civil não é representativo, mas para uma empresa da construção civil, pode ser a vida dela”, relata Carlos Henrique.
O coordenador da União Estadual por Moradia Popular do Maranhão, José Raimundo Trindade, avalia que a decisão representa prejuízo muito grande para a população de baixa renda.
Dados mais recentes compilados pela Fundação João Pinheiro (FJP), que calcula o déficit habitacional no Brasil desde 1995, revelam que, em 2019, mais de 5,8 milhões brasileiros moravam em habitações precárias ou improvisadas ou pagavam ônus excessivo de aluguel.
“O governo foi, de certa forma, irresponsável. Estamos em uma situação muito preocupante. A procura por moradia aumentou durante a pandemia, e se a pessoa não tem condições de pagar aluguel, está desempregada e não tem acesso a moradia, então vai procurar alternativas, como morar debaixo de viadutos, construir barracos”, frisa.
“O índice de pobreza está crescendo. Então, para nós, do movimento, esse corte, se já estava ruim, piorou, pois tínhamos a esperança de que as obras que estavam em andamento seriam ao menos concluídas. Vai gerar muito problema na questão do déficit populacional”, completa José Raimundo.
Procurado desde terça-feira (27/4), o Ministério do Desenvolvimento Regional não se manifestou. O espaço segue aberto.