Levantamento da Fundação para a Infância e Adolescência mostra que, em 2020, 58% das vítimas tinham entre 0 e 6 anos de idade. Pais ou padrastos são os principais suspeitos de agressões – juntos, eles somam 60% das notificações.
As crianças menores, de até 6 anos, são mais atingidas pela violência no Rio de Janeiro do que as maiores — e a maior parte das agressões acontece dentro de casa, de acordo com levantamento da Fundação para a Infância e Adolescência (FIA-RJ).
O estudo, com dados de 2020, contabiliza:
- 447 bebês e crianças de 0 a 6 anos (58%)
- 231 crianças na faixa de 7 a 11 anos (30%)
- 92 adolescentes, de 12 a 17 anos (12%)
A faixa etária mais atingida é a mesma do menino Henry Borel, que morreu aos 4 anos em março deste ano, com suspeitas de violência e tortura, sem chance de defesa. Segundo a polícia, o padrasto cometeu as agressões, e a mãe foi conivente.
Também entra nesta triste estatística a menina Ketelen Vitória, de 6 anos, torturada até a morte por mãe e madrasta em Porto Real, no Sul do Rio.
“As crianças menores são mais vulneráveis por terem menor possibilidade de defesa. Uma criança mais velha maior pode sair correndo, pode pedir ajuda com mais facilidade e reportar a violência para outras pessoas. Vai ser mais difícil manipular essa criança para ela manter um segredo com ameaças”, explica Adriane Sadroza, assessora técnica FIA.
Abuso sexual lidera
A maioria dos casos é de:
- abuso sexual (49%)
- violência psicológica (24%)
- violência física (16%)
- negligência (11%)
Os autores das agressões são:
- pais (40%)
- padrastos (20%)
- avôs (18%)
- tios (16%)
- mães (6%)
Já as vítimas são, em sua maioria, meninas (62%).
“Na grande maioria, os casos de violência contra criança são intrafamiliares. Até porque crianças pequenas têm um universo limitado. Elas estão sob os cuidados da família nuclear e da escola. Elas não têm tanto acesso a outros espaços como as crianças maiores. De um modo geral, a maior violência ocorre dentro de casa. E em todas as classes sociais”, destaca Adriane.
Ela destaca que o maior número de casos de violência notificados é de abusos físicos e psicológicos. No entanto, os abusos sexuais lideram os dados por conta do programa da FIA ser considerado referência no atendimento deste tipo de ocorrência.
Cléo Hernams, presidente da FIA-RJ, alerta sobre a importância da notificação para a proteção dos menores.
“É muito importante que todo ato de violência seja denunciado, seja ela física, psicológica ou de qualquer outra natureza. A população precisa auxiliar os órgãos governamentais a proteger nossas crianças e adolescentes. Não se cale, denuncie”, diz Cléo.
Conselhos Tutelares relatam abusos
Érica Arruda, coordenadora-geral dos Conselhos Tutelares no Rio, destaca que as violações mais comuns relacionadas a crianças e adolescentes na cidade são as situações de trabalho infantil (854), negligência ou abandono (320), violência (64), abuso sexual (50) e exploração sexual (17), de acordo com dados recebidos pela Secretaria Municipal de Assistência Social vindos dos Centros de Referência Especializada de Assistência Social (Creas).
Os 14 Creas do Rio são responsáveis por fazer o atendimento de famílias atingidas pelas diversas formas de violência dentro da estrutura do poder municipal.
Apesar da redução, entre 2019 e 2020, no número de casos que chegaram a estas estruturas, a coordenadora não crê que a violência tenha diminuído. O aumento dos atendimentos remotos, a subnotificação e a dificuldade de deslocamento durante a pandemia podem ter contribuído para o resultado.
“Uma das hipóteses que a gente levanta aqui na secretaria é de que o atendimento a estas famílias é mais voltado para o remoto, por conta do distanciamento social, por conta da dificuldade das pessoas irem até os equipamentos”.
A rede da Prefeitura do Rio conta atualmente com 14 unidades de acolhimento próprio e 12 conveniadas.
A violência na periferia
Além da coordenação, Érica também é professora universitária e tem carreira na área de políticas públicas. Passou dois anos como conselheira tutelar e, durante o tempo que ocupou o cargo, foi marcada pelos diversos atendimentos que fez.
“Eu tive um caso de uma mãe que jogou água fervendo no pé de um menino, que tinha 6 anos, a idade do meu filho. E ele parecia fisicamente com meu filho. Eu fiquei muito emocionada com aquela situação porque eu o via ali. E eu pensava: ‘Como uma mãe pode queimar o pé de uma criança para punir?’”, questionou.
Para ela, o futuro da sociedade está diretamente ligado à educação que crianças e adolescentes recebem.
“Se a gente for pensar o indivíduo e o sujeito, tudo começa na infância. Então, estudar, compreender e tratar este indivíduo desde a primeira infância como um sujeito de direito vai fazer com que a gente tenha cidadãos, um futuro para o nosso país e que a gente mude esta cultura que, infelizmente hoje é uma cultura de violência, autoritária e machista”, disse a coordenadora.
Arruda destaca que casos como a morte do menino Henry Borel causam choque na população quando vêm à tona, mas as diversas formas de violência contra crianças e adolescentes não são algo raro, principalmente nas periferias.
“Na primeira vez que eu fui fazer uma visita domiciliar na Cidade de Deus, eu vi uma mãe ‘educando’ seu filho, enfiando a cabeça dele dentro de um tonel de água. Eu fiquei desesperada, estava afogando o garoto. E a mãe falou: ‘Estou educando o meu filho. É assim que eu educo os meus filhos. Todos eles eu eduquei desta forma’. Então, para ela era normal. Claro que eu notifiquei a mãe para que ela fosse ao Conselho Tutelar, mas aquilo estava naturalizado”, disse.
Disque Denúncia: aumento de 42% nas queixas
O Disque Denúncia registrou em 2021 mais queixas de violência contra menores. Foram 703 nos primeiros três meses deste ano contra 494 no mesmo período do ano passado – um aumento de 42%.
As denúncias narram variados tipos de agressão, como física, psicológica e sexual.
O coordenador do Disque Denúncia, Zeca Borges, explica que esses números não se consolidam necessariamente em ocorrências, mas mostram uma maior mobilização e atenção da sociedade.
“Os dados são bons qualitativamente. Tem uma certa relação com a realidade, mas a questão da comoção aumenta muito [o número de denúncias]”, afirmou o coordenador.
Ele cita como exemplos de casos que mobilizaram a sociedade o desaparecimento dos três meninos em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, e a morte de Henry.
Dados descentralizados
Para fazer um diagnóstico dos problemas e de como resolvê-los, falta centralização dos dados de diversos órgãos.
“O problema que acontece aqui no Município do Rio é que a gente não tem os dados sistematizados. Eu tenho dados do Disque Denúncia, do governo federal, do Instituto de Segurança Pública, do Governo do Rio de Janeiro, de atendimento da própria secretaria, do MCA, que é o Módulo Criança e Adolescente, mas estes dados, em algum momento, não dialogam”, diz Érica Arruda.
“Então, é importante produzir diagnósticos e informações para que a gente saiba onde está a situação de violência, qual é a localidade, como combater esta situação, onde precisamos de mais equipamentos”, afirmou.
A Secretaria de Assistência Social publicou no dia 13 de abril, no Diário Oficial do município, uma licitação para a realização de um pregão eletrônico para a contratação de uma empresa para trabalhar em um diagnóstico da situação de crianças e adolescentes na cidade do Rio.
MPRJ dispõe de 125 órgãos para tratar o assunto
O Ministério Público do Rio (MPRJ) dispõe de 125 órgãos que atuam em questões que envolvam ameaça ou violação de direitos de crianças e adolescentes. Na área criminal, o atendimento é feito por meio das Promotorias de Justiça de Investigação Penal (PIPs) e promotorias criminais.
Em 2019, a Ouvidoria do órgão registrou 304 relatos de maus-tratos a menores, e em 2020, 261.
Os relatos mais comuns são de violência física, psicológica e sexual (abuso sexual ou exploração sexual).
Em caso de denúncia – com suspeita ou já confirmação de maus-tratos -, o Conselho Tutelar do município é acionado para verificar a situação e aplicar, se necessário, as medidas de proteção previstas no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).
Entre elas estão a inclusão da criança ou do adolescente em um programa de apoio e proteção, a solicitação de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico e até a inserção do menor em uma família substituta.
No caso de afastamento do menor do convívio familiar é preciso uma autorização judicial para que seja concedida a guarda a algum parente ou para que seja feito o seu encaminhamento a um abrigo ou um programa de acolhimento do município. Esta medida é excepcional e temporária e só deve ser aplicada se não houver melhor alternativa, segundo o MPRJ.
Se os maus-tratos forem confirmados, o promotor de Justiça da Infância e Juventude pode responsabilizar os pais (ou quem tiver a guarda) e entrar com uma ação judicial. Nos casos mais graves e havendo provas, o promotor também pode pedir em juízo a destituição do poder familiar.
Na área criminal, o caso deve ser registrado na delegacia pela família ou pelo Conselho Tutelar, se houver omissão dos pais ou se eles tiverem praticado as violações.
Como denunciar casos de violência
Delegacia de atendimento a Criança e Adolescente Vítima (DCAV)
- O DCAV no Rio fica localizado na Rua do Lavradio, Centro da cidade. O telefone da delegacia é (21) 2332-4442, e denúncias podem ser realizadas também pelo WhatsApp, número (21) 98596-7514.
Conselhos tutelares
No site da Prefeitura do Rio, estão disponíveis os endereços e contatos dos 19 conselhos tutelares que operam na cidade e recebem denúncias.
Disque 100 (Secretaria de Direitos Humanos)
- O Disque 100 atende 24 horas, todos os dias, incluindo fins de semana e feriados, em todo o Brasil. Pela internet, as denúncias podem ser feitas pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil ou pelo WhatsApp, no número (61) 99656-5008. A Secretaria de Direitos Humanos recebe denúncias anônimas e encaminha o assunto aos órgãos competentes no município de origem da criança ou adolescente.
Disque Denúncia
- O número do Disque Denúncia no Rio é (21) 2253-1177. O órgão atua no combate à violência contra o idoso, a mulher, as pessoas com deficiência e a criança e ao adolescente, por meio do núcleo de violência doméstica.
- O serviço possui parceria com as delegacias especializadas, como a Delegacia Especializada no atendimento de Crianças e Adolescentes Vítimas – DCAV – e a Delegacia Especializada na Proteção da Criança e do Adolescente – DPCA -, além dos conselhos tutelares, enviando as denúncias e solicitando maiores e melhores providências. Clique aqui para acessar o portal.
Ministério Público
Todo estado brasileiro conta com um Centro de Apoio Operacional (CAO), que pode ser acionado para a defesa e garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. Neste site, estão disponíveis os links dos CAOs de cada estado.
Polícia Militar
- O 190 é o número de telefone da Polícia Militar, que deve ser acionado em casos de necessidade imediata ou socorro rápido. O 190 recebe ligações de forma gratuita em todo o território nacional. (G1)