Com aplicação de 2ª dose da CoronaVac em último dos 4 grupos do Projeto S, em torno de 28 mil pessoas devem ser vacinadas no município. ‘Que venham tempos melhores para todos nós’, afirma professora.
Em uma iniciativa inédita em todo o país, Serrana (SP) conclui neste domingo (11) uma vacinação em massa contra Covid-19 por meio de um estudo do Instituto Butantan.
A finalização do Projeto S, que analisa a eficácia da CoronaVac contra a transmissão do coronavírus e a queda de mortes da doença, enche de esperança os moradores para um futuro sem pandemia na cidade a 315 quilômetros da capital paulista.
No município, cerca de 28 mil dos 45,6 mil habitantes – o que não inclui crianças e mulheres grávidas, por exemplo – devem estar imunizados até o fim do dia.
“Que venham tempos melhores para todos nós. Tempo de fé, de acreditar, de sonhar, de retornar às nossas rotinas, com nossas famílias, amigos, no nosso trabalho – no meu caso, nas escolas, com toda a criançada alegrando o dia a dia”, afirma Leila Lima, de 47 anos, professora na rede municipal de Serrana.
Os postos de saúde do município aplicam neste domingo a segunda dose da CoronaVac nos voluntários restantes do grupo azul, o último dos quatro em que o projeto foi dividido para organizar a vacinação, iniciada em 17 de fevereiro em oito escolas preparadas e monitoradas para aplicar o imunizante, além de coletar e analisar os dados da pesquisa.
Antes de receber o reforço vacinal, as mulheres foram submetidas a exames de sangue, devido à possibilidade de uma eventual gestação no intervalo entre a aplicação da primeira e da segunda dose.
Após o término da vacinação, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, participa de uma cerimônia de encerramento às 18h na Fundação Cultural de Serrana. Veja, abaixo, os tópicos em destaque desta reportagem:
- Vacinação em massa
- Gratidão, alívio e esperança
- Legado para a ciência
- Flexibilização será discutida, diz prefeito
- Projeto S: como começou?
- Que resultados são esperados?
1. Vacinação em massa
Em torno de 30 mil pessoas foram consideradas aptas para participar do projeto, que deve atingir um total aproximado de 28 mil pessoas imunizadas ao longo de quatro fases, que dividiram a cidade em grupos.
- Grupo verde: 6.763 voluntários (1ª dose) / 6.350 voluntários (2ª dose);
- Grupo amarelo: 6.470 voluntários (1ª dose) / 6.045 voluntários (2ª dose);
- Grupo cinza: 6.049 voluntários (1ª dose) / 5.575 voluntários (2ª dose);
- Grupo azul: 8.425 voluntários (1ª dose)/ 3.985 voluntários até quinta-feira (2ª dose).
Por terem ficado de fora dos testes nas fases anteriores dos estudos sobre a vacina, somente não puderam ser imunizadas mulheres grávidas ou em amamentação, quem teve febre 72 horas antes da vacinação e pessoas com doenças graves.
Quem foi vacinado por intermédio do estudo será monitorado ao longo de um ano, em um programa de vigilância com auxílio de uma inteligência artificial criada em parceria com o WhatsApp. Resultados preliminares da pesquisa, porém, devem ser divulgados ainda em maio.
Apesar de não associarem impactos à vacinação, profissionais de saúde locais relatam ter percebido sinais de queda nas hospitalizações e na incidência de casos graves da Covid-19.
Este é um dos efeitos esperados da vacina. O Instituto Butantan, porém, diz que ainda não é possível tirar conclusões sobre o estudo, já que a resposta imunológica é esperada somente duas semanas após a aplicação da segunda dose da CoronaVac.
2. Gratidão, alívio e esperança
Diante da conclusão da vacinação e da expectativa de proteção contra a Covid-19, moradores como a cabeleireira Marly dos Santos, de 68 anos, compartilham sentimentos de alívio, gratidão e esperança, sem deixar de continuar a seguir protocolos sanitários como o uso de máscara. Ela tomou a segunda dose da CoronaVac na quinta-feira (8).
“Estou muito feliz e muito esperançosa para que tudo volte ao normal. Quero agradecer a todos da equipe, que foram maravilhosos. A gente está muito feliz. O povo de Serrana agradece muito. Eu tenho certeza: é vida que segue agora”, afirma.
Enfermeira na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade, Rosa Magda, de 46 anos, espera que a sensação de proteção proporcionada pela vacina não fique restrita à Serrana e reforça a necessidade de manter o distanciamento social e o uso da máscara e do álcool em gel.
“Minha esperança é que todas as pessoas, tanto aqui de Serrana como do Brasil e do mundo, possam ter a oportunidade de também receber essa vacina, para que o número de infectados possa diminuir constantemente e a gente possa ficar livre dessa doença tão devastadora”, diz.
Decoradora e cerimonialista, Aline Pereira, de 31 anos, vislumbra na imunização a possibilidade de logo poder retomar os casamentos e as formaturas que costumava organizar antes da pandemia, ainda que seja necessário adotar protocolos sanitários.
“É a luz do fim do túnel que a gente precisava. Nossa cidade é muito grata. Eu, particularmente, por poder voltar ao trabalho, fazer as pessoas felizes, sorrir, abraçar. A gente está sendo privado de tudo isso, mas acredito que, logo logo, vamos poder decolar de novo e vai dar tudo certo”, diz.
Estudante universitário, Hugo Degaspari Reis, de 21 anos, considera um privilégio não só ter tomado as duas doses da vacina, a última delas no final de março, mas ver toda a família e amigos imunizados contra Covid-19.
“Pra mim, significa muito. Acredito fielmente que esses pequenos momentos devem ser celebrados, especialmente neste momento que a gente vive onde tudo é muito pesado e incerto”, afirma.
Mesmo não podendo ter sido imunizada por estar grávida, a professora Caroline Ayaco, de 35 anos, está esperançosa para o impacto positivo da vacinação em massa, que deve fazer diferença no cenário da educação.
“Dá uma sensação de alívio e gratidão em saber que a minha família já está imunizada e que eles estão protegidos de evoluir para um caso grave. Como professora, acho muito importante também a vacinação da nossa classe, para que a gente possa voltar às aulas presenciais com mais segurança. Nossos alunos estão ansiosos por este retorno”, diz.
3. Legado para a ciência
Considerada um marco no Brasil, que ainda registra um ritmo de imunização lento em relação a outros países, a vacinação em massa deixa um legado à parte para o município paulista, que ganhou visibilidade internacional e uma nova experiência em relação ao controle de epidemias.
Serrana deu os primeiros passos para uma possível parceria com Israel para a produção conjunta de conhecimento sobre vacinação em massa.
“Na maior pandemia do século e a maior crise sanitária do Brasil, Serrana está sendo protagonista de um projeto único no mundo de pesquisa, podendo contribuir com a ciência do Brasil e do mundo”, afirma o prefeito Léo Capitelli (MDB).
A baixa abstenção entre o público-alvo elegível para a CoronaVac, segundo o prefeito, também demonstrou que os moradores reconhecem a importância da vacinação em meio a uma luta muitas vezes prejudicada por fake news e grupos anti-vacina. A maior parte das ausências, ele diz, foram motivadas por problemas pontuais de saúde.
“Acredito que aquela parcela que realmente não tomou vacina pela desinformação ou por não querer tomar é muito pequena em Serrana. O pessoal entendeu, procurou se informar e viu que a vacinação é o meio mais eficaz de combater este inimigo invisível”, afirma.
4. Flexibilização será discutida, diz prefeito
Embora ainda não tenha sido definido um plano de flexibilização das atividades, o prefeito acredita que Serrana estará um ano à frente de outros municípios em questões econômicas e sociais.
Capitelli explica que a retomada das atividades será discutida com o Instituto Butantan. Ainda assim, hábitos como o uso de máscaras e de álcool em gel deverão ser mantidos por um bom tempo.
“Vamos conversar com o Butantan para que a gente faça uma retomada consciente, que sirva de referência para todo o Brasil para uma retomada planejada, organizada, e que, acima de tudo, vise a saúde e a segurança do munícipe”, diz.
Chefe da Vigilância Epidemiológica de Serrana, Glenda Renata de Moraes também defende que os cuidados permaneçam. “A gente tem mais algum tempo pela frente para avaliação de tudo que está acontecendo no município. Não dá para perder esses cuidados para impedir a transmissão da doença”, afirma.
5. Projeto S: como começou?
Serrana foi escolhida para a pesquisa por ser uma cidade de baixo número populacional, além de estar próxima a Ribeirão Preto (SP), referência nacional em saúde, e de ter apresentado dados preocupantes de transmissão do novo coronavírus em um inquérito sorológico realizado pelo Instituto Butantan em 2020.
Ainda no ano passado, antes da divulgação do projeto, o município se mobilizou para a realização de um censo, com o objetivo de mapear a população que seria vacinada, em uma parceria do Instituto Butantan com o Hospital Estadual e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).
O mapeamento foi feito para evitar que moradores de municípios vizinhos se mudassem com a intenção de conseguir a vacina. “Fizemos um levantamento de dados com um trabalho de domicílio em domicílio para que a gente pudesse ter uma base de dados fidedigna”, o prefeito relembra.
Desde 17 de fevereiro, a vacinação em massa foi setorizada em quatro regiões diferentes, onde a população correspondente recebeu as doses sucessivamente a cada semana. Os lotes do imunizante foram exclusivos para o estudo e não interferiram na distribuição realizada a outras cidades do Brasil.
6. Que resultados são esperados na pesquisa?
O estudo do Instituto Butantan tem como principais objetivos analisar:
- a eficiência da vacinação na redução de casos de Covid-19 e no controle da epidemia;
- a eficiência na queda na transmissão do vírus de uma pessoa para outra;
- o impacto na redução da carga de doença, por meio da ocupação de leitos hospitalares e número de consultas médicas, por exemplo;
- a adesão da população à vacinação, reações adversas e efeitos indiretos na economia e na circulação de pessoas;
- testar ferramentas de combate a epidemias, como um aplicativo de controle da vacinação, de acompanhamento de reações, de censo geolocalizado em tempo real, entre outros;
- a interação da vacina com a variante P.1.
Os resultados poderão trazer diferentes respostas sobre a eficácia da vacina, a depender do perfil das pessoas imunizadas, como idade e locais em que elas vivem, o que as deixa mais ou menos expostas ao vírus.
Será possível ainda estabelecer comparativos entre as regiões, já que a situação epidemiológica do município vem sendo acompanhada há meses.