Quatro meses depois do início da aplicação, o mundo começa a colher boas notícias sobre a capacidade dos imunizantes de controlar a transmissão do vírus
Ao longo de 2020, a comunidade científica conseguiu realizar o que parecia impossível: desenvolver em tempo recorde vacinas que geralmente levariam anos ou mesmo décadas para serem criadas. “Nem o mais otimista de nós imaginava que em tão pouco tempo teríamos tantas vacinas contra a Covid-19”, diz o infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em fevereiro deste ano pelo menos sete imunizantes contra o coronavírus já tinham sido lançados no mundo. Centenas de candidatos estavam em desenvolvimento – mais de 60 já em fase clínica, ou seja, com testes em humanos. Atualmente, há 13 imunizantes aprovados e 83 em fase de testes clínicos. E esses números tendem a continuar subindo, de acordo com os especialistas.
Como se espera de qualquer vacina, o objetivo inicial era conseguir contra a covid-19 um imunizante capaz de reduzir a gravidade da infecção e a mortalidade causada por ela.
As novas vacinas contra a Covid-19 se mostraram capazes disso. “O imunizante bloqueia em boa parte a entrada do vírus nas células, e com isso reduz o risco da tempestade inflamatória, causando uma forma mais branda da doença”, explica Kfouri. É por essa razão que vêm caindo as taxas de internações e mortes nos grupos prioritários que já receberam as diferentes vacinas pelo mundo afora.
Mas, além de diminuir a gravidade da infecção, outros efeitos positivos inesperados dessas vacinas estão começando a aparecer à medida que avançam os números de imunizados pelo mundo.
O mais significativo é o potencial de controle da transmissão do coronavírus. Estudos começam a mostrar as primeiras evidências de que a vacina Oxford/AstraZeneca, por exemplo, é capaz de frear essa transmissão.
A queda na transmissão do coronavírus
Publicada pelo periódico Lancet, uma investigação, que avaliou 17 mil pessoas, foi pioneira em incluir voluntários assintomáticos numa pesquisa. Também nesse grupo, entre aqueles vacinados com uma única dose, houve diminuição no número de testes positivos para a presença do coronavírus na comparação com os não vacinados, sugerindo assim a possibilidade de o imunizante atuar na redução da propagação viral. Um efeito inesperado e bem-vindo.
Com a vacinação em massa em lugares como Reino Unido e Israel, os especialistas avaliam que será possível observar uma queda nas ocorrências inclusive entre não vacinados.
“A parte da população imunizada acaba beneficiando aquela que ainda espera pelas doses”, analisa Renato Kfouri. “Mas vale lembrar que nesses países tem havido uma estratégia combinada com isolamento e distanciamento social bem-sucedidos, o que contribui para diminuir a transmissibilidade”, destaca.
Resultado semelhante foi obtido em estudo feito em Israel, este com o produto da Pfizer/Biontech, no qual a eficácia estimada para infecção assintomática foi de 29% durante o período de 14 a 20 dias após a primeira dose, subindo para 52% entre 21 a 27 dias.
Os direcionamentos da OMS
Como foram produzidos em uma situação atípica, o desenvolvimento dos imunizantes contra Covid-19 levou em conta diretrizes específicas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Diante da urgência, o órgão estabeleceu, por exemplo, que seria aceitável um tempo de proteção de seis meses contra a doença, quando preferencialmente seria de um ano. “Não daria para estender o período de observação para exigir um prazo maior”, explica a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência.
Da mesma forma, estabeleceu-se como satisfatória a taxa de eficácia de 50% contra a doença e seus agravamentos (vale destacar que nenhuma vacina para diferentes doenças é 100% eficaz, e em geral taxas acima de 60 e 70% são consideradas boas).
“Esse era um recorte do mínimo necessário para que houvesse um impacto real em hospitalizações e mortes”, diz Pasternak.
A microbiologista explica que, por questões de custos, seria inviável realizar um teste clínico de fase 3, que reúne milhares de participantes, para avaliar também a capacidade de prevenir a transmissão de uma doença cujos sintomas podem não aparecer, caso dos pacientes assintomáticos de Covid-19.
“Por esse motivo, a maneira mais fácil e mais rápida foi desenhar os testes clínicos para medir se a vacina previne a doença, e não para saber se ela poderia impedir a transmissão do vírus”, conclui.
Os esperados efeitos esterilizantes
Bloquear totalmente o contágio e as infecções, com a chamada imunidade esterilizante, é a ambição de quem trabalha com imunização. “Essa é a vacina dos sonhos, que impede que se passe a doença adiante”, diz Pasternak.
Mas é possível esperar esse efeito nos produtos já em uso contra a Covid-19? De acordo com Renato Kfouri, ainda faltam evidências. “Mas com as vacinas atuais, como a da Pfizer e da Moderna, que têm em torno de 95% de eficácia, a disseminação diminui de maneira muito significativa”, diz.
Até porque, quando se controla a gravidade da doença, o indivíduo tem menos sintomas, tosse menos, espirra menos – e consequentemente espalha menos o vírus. “Mas, no futuro, as novas gerações das vacinas contra Covid-19 podem vir a ter essa capacidade esterilizante sim”, acredita o médico.
O efeito da vacinação nos sintomas pós-Covid-19
Embora ainda com cautela, cientistas começam a investigar se tomar a vacina seria capaz de proporcionar uma trégua em sequelas como falta de ar, dores e cansaço, que muitas vezes se estendem por meses após a cura da doença.
Um estudo observacional feito na Universidade de Bristol, no Reino Unido, por exemplo, avaliou as queixas de 44 pacientes antes e depois de um mês de imunizados. Quando comparado aos participantes não vacinados, esse grupo relatou um pequeno alívio geral.
“Do ponto de vista fisiológico não faz sentido que a vacina tenha impacto na melhora dos sintomas de quem teve a doença”, diz Renato Kfouri. Para chegar a uma conclusão como essa, continua o infectologista, teria que haver um estudo controlado, com um número grande de indivíduos, comparando vacina e placebo, o que ainda não ocorreu. “Por enquanto só se pode dizer que pessoas que tiveram Covid-19 e se vacinaram, com certeza vão desenvolver uma resposta imunológica mais sustentada, evitando nova contaminação”, complementa Rafael Dhália.
*Com informações da CNN