O bloco se prepara para adotar uma legislação de emergência que lhe dá mais poderes para restringir a exportação de imunizantes pelas próximas seis semanas, segundo publicou o New York Times nesta terça-feira (23)
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após a União Europeia subir o tom na última semana contra o Reino Unido, a quem acusa de não agir com “reciprocidade e proporcionalidade” no fornecimento de vacinas contra a Covid-19, o bloco se prepara para adotar uma legislação de emergência que lhe dá mais poderes para restringir a exportação de imunizantes pelas próximas seis semanas, segundo publicou o New York Times nesta terça-feira (23).
O projeto de lei, cujo anúncio está previsto para esta quarta (24), foi analisado pelo jornal americano e confirmado por duas autoridades europeias envolvidas no seu desenvolvimento.
O texto será avaliado pela Comissão Europeia (Executivo da UE) e, embora ainda possa sofrer mudanças, as autoridades afirmaram ao New York Times que é improvável que sejam substantivas.
As novas regras, que devem entrar em vigor rapidamente, vão dificultar que fabricantes das vacinas instaladas na União Europeia exportem as injeções, o que deve afetar o fornecimento ao Reino Unido, recém-divorciado do bloco no brexit.
No centro da disputa estão sucessivas quebras de prazos para a remessa de vacinas produzidas pela AstraZeneca -de controle sueco e britânico- para a União Europeia. A empresa havia se comprometido com 90 milhões de doses no primeiro trimestre deste ano, mas informou depois que só 40 milhões estariam disponíveis. No fim, acabou entregando apenas 30 milhões, um terço do contratado.
Para o segundo trimestre, o contrato prevê 180 milhões de doses, mas a fabricante deve entregar 70 milhões. A legislação proposta, no entanto, afetaria não só esse imunizante, mas também aqueles da Pfizer e pela Moderna.
Os britânicos são de longe os maiores beneficiários das exportações do bloco. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, disse na semana passada que a UE já enviou para o país vizinho cerca de 10 milhões de doses, mas as fábricas britânicas não embarcaram imunizantes para o bloco.
Entre as ameaças, ela afirmou não descartar nem mesmo a suspensão de direitos de propriedade intelectual -medida à qual tem sido contrária em reuniões da OMC. “Todas as opções estão sobre a mesa”, disse, após lembrar que a quebra de patentes já foi usada pelo bloco nos anos 1970.
O bloco permitiu que as fabricantes cumprissem seus contratos ao autorizar a exportação de mais de 40 milhões de doses a 33 países entre fevereiro e meados de março, sendo 10 milhões destinadas ao Reino Unido e 4,3 milhões ao Canadá, publicou o jornal americano.
A proposta preocupou o país norte-americano, segundo afirmou Youmy Han, porta-voz da ministra canadense de Comércio Internacional, Mary Ng. “Os homólogos da ministra Ng repetidamente garantiram que essas medidas não irão afetar o envio de vacinas ao Canadá”, disse Han.
O país depende da União Europeia para praticamente todo o seu fornecimento. Todas as vacinas da Moderna e da Pfizer vieram do bloco, ainda que tenha recebido uma pequena remessa da AstraZeneca vinda da Índia.
Por outro lado, as medidas que estão para ser anunciadas dificilmente afetam os EUA, que recebeu, até o momento, pouco menos de 1 milhão de doses vindas de fábricas europeias, segundo o New York Times.
A gestão Biden disse ter garantido injeções suficientes de três fabricantes que possuem autorização no país -Pfizer-BioNTech, Moderna e Johnson & Johnson- para a cobertura de todos os adultos no país até o fim de maio.
A maior parte desse fornecimento vem de fábricas nos Estados Unidos. O país também exporta insumos de vacinas para a União Europeia, que reluta em arriscar qualquer interrupção na cadeia de abastecimento de matérias-primas.
A falta de abastecimento é um dos motivos para o desempenho tímido da imunização no bloco europeu, principalmente se comparado com o relativo sucesso do Reino Unido. Enquanto o país já aplicou 44,6 doses a cada 100 habitantes e os EUA, 37,2, a União Europeia vê sua taxa bem abaixo, em 13,1, segundo dados do Our World in Data.
Os dois países também veem uma queda no número de novos casos diários –apesar de uma nova leve alta nos EUA na última semana-, o bloco tenta de qualquer forma evitar uma terceira onda –na última semana, as novas infecções cresceram 13% na média dos 27 membros da UE.
Mas o fornecimento das vacinas está longe de ser o único ou o principal motivo pelo quadro atual. Ao mesmo tempo em que autorizou a exportação de 40 milhões de doses, a UE manteve 70 milhões dentro de suas fronteiras e as distribuiu aos 27 países-membros -vários dos quais ainda têm estoques de vacinas em suas geladeiras.
Entre outras causas para a maior eficiência da campanha britânica até agora está o fato de que o governo do premiê Boris Johnson contratou e aprovou vacinas cerca de um mês antes que a União Europeia.
No final de dezembro, quando o regulador europeu deu sua primeira aprovação, o Reino Unido já estava injetando em seus cidadãos centenas de milhares de doses por dia, tanto da AstraZeneca quanto da Pfizer/BioNTech, desenvolvida e produzida pela UE.
Além de largar na frente, o programa de vacinação nos países do Reino Unido deslanchou rapidamente porque adotou sistema simplificado e único de agendamento e campanha intensiva de comunicação.
Já na Europa, cada governo implantou regras de acesso e estruturas de logística diferentes, chegando até a barrar o uso da vacina da AstraZeneca em idosos, embora a agência regulatória do bloco -que é responsável por avaliar segurança e eficácia dos produtos farmacêuticos- tivesse recomendado seu uso para todos os adultos, sem restrição.
A proposta de legislação vista pelo New York Times encoraja o bloqueio de embarques para países que não exportam vacinas para a UE -cláusula voltada para os britânicos- ou para aqueles que possuem taxa de vacinação mais elevada do que a da União Europeia ou onde a atual situação epidemiológica é menos grave do que no bloco.
Desde 1º de fevereiro, a União Europeia bloqueou apenas 1 das mais de 300 exportações que fez -uma pequena remessa de vacinas da AstraZeneca que deveria ir para a Austrália. A alegação foi a de que o país estava quase livre da Covid-19 enquanto o bloco lutava contra o aumento de infecções.