*Frutuoso Chaves
Quem já não ouviu falar de Zé Limeira, o poeta popular, o repentista espantoso e divertido nascido em fins do Século 19? Foi descrito pelos que o conheceram como um tipo excêntrico, um sujeito capaz de botar na chinela muito astro moderno do rock. Conta-se que andava em trajes berrantes, com os dedos cheios de anéis, óculos escuros, lenço colorido e uma bengala de aroeira.
Nasceu na zona rural de Teixeira, sertão da Paraíba, em 1886, despedindo-se desse mundão de Deus à véspera do Natal de 1954. É mais conhecido do distinto público pelo livro do jornalista, poeta e escritor Orlando Tejo: “Zé Limeira, o Poeta do Absurdo”.
Há quem diga que Orlando Tejo, natural de Campina Grande, fez de Zé Limeira a figura lendária que hoje é. Perguntem isso ao também campinense Bráulio Tavares, escritor, compositor, poeta, dramaturgo e outras coisas mais. E, se quiserem, recorram, via Youtube, ao documentário feito para a TV Senado por Maurício Melo Junior, do qual o mesmo Tejo é o grande mote.
Negro, alto e dono de uma voz poderosa, Zé Limeira chamaria a atenção pelos versos sem sentido, sem pé nem cabeça, notadamente ao descrever passagens bíblicas, ou personagens da história do Brasil. Interessava-se pela rima e não pelo fato bem contado, até por desconhecer, analfabeto que era, as figuras e os episódios sobre os quais tratava. O “non sense”, então, seria um artifício para enfrentar em desafios de cantoria oponentes mais cultos do que ele.
Diz-se, ainda, que a insuficiência de versos originais fez Orlando Tejo inventar alguns e recorrer a cantadores contemporâneos para aquisição de sextilhas, martelos agalopados e outras modalidades do repente em volume necessário à composição do seu livro. Seja como for, o mito eternizou-se.
Por questão inerente ao decoro, nem tudo o que Zé Limeira improvisou é publicável em rede social, ou portais de notícia. Eis, então, algumas coisas mais leves. Deram-lhe o mote “Canta, canta, cantador/que teu destino é cantar” e ele tascou:
No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava
Plantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá,
Dom Pedro correu pra lá,
Escanchado num tratô…
Canta, canta, cantadô
Que teu destino é cantá.
Outras rimas:
Quando Jesus veio ao mundo
Foi só pra fazê justiça
Com treze ano de idade
Discutiu com a doutoriça,
Com trinta ano depois,
Sentou praça na puliça.”
Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada,
Cantando nas Escritura,
Saudando o pai da coalhada,
A lua branca alumia,
Jesus, José e Maria,
Três anjos na farinhada.
Tejo relata que Zé Limeira baixou num encontro de repentista patrocinado pelo então governador do Pernambuco Agamenon Magalhães. Sem se fazer de rogado, dedicou esses versos à Primeira Dama do Estado.
Eu cantando pra Dona Antonieta
A muié do Doutor Agamenon
Fico como o Reis Magro do Sion
Me coçando na mesma tabuleta.
Eu aqui vou rasgando a caderneta
De Otacílio Batista Patriota…
Doutor, como eu não tenho um brinde em nota
Que possa oferecer à sua esposa.
Dou-lhe um quilo de merda de raposa
Numa casca de cana piojota.
E, ainda, numa cantoria, ao término da Segunda Guerra Mundial:
O meu nome é Limeira
Limeira, Lima e Limança
Cabra só bota bodega
Se comprar uma balança
Valei-me Nossa Senhora
Tão bombardeando a França.
E, para terminar:
Eu já cantei no Recife
Dentro do Pronto Socorro
Ganhei quinhentos mil réis
Comprei quinhentos cachorros
Ano passado morri
Mas esse ano não morro.
Que tal?
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).