Volume aplicado em novos projetos soma US$ 34,2 bilhões, ante US$ 69,2 bilhões no ano anterior. Brasil perde mais recursos do que outros países emergentes. Para analistas, além da pandemia, retração reflete crise fiscal e política do governo para o meio ambiente
Embora as incertezas econômicas instaladas pela pandemia de covid-19 tenham postergado investimentos em todo o mundo, o baque foi maior no Brasil. As incertezas fiscais e o posicionamento do governo federal em relação a temas críticos como o meio ambiente deixaram os investidores estrangeiros mais cautelosos. O resultado foi uma queda de 50% dos Investimentos Diretos no País (IDP) no ano passado, que, segundo especialistas, não será revertido tão facilmente.
Segundo dados divulgados, ontem, pelo Banco Central (BC), o fluxo de investimento direto caiu de US$ 69,2 bilhões, em 2019, para US$ 34,2 bilhões em 2020, voltando ao patamar de 11 anos atrás. O chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, atribuiu a retração “ao caráter global e à recessão gerada pela pandemia”. Ele explicou que a crise sanitária afetou tanto novos investimentos, com o adiamento de novos projetos, quanto o reinvestimento de lucros das empresas já instaladas no país, que tiveram resultados piores devido à pandemia.
Rocha acrescentou que os investimentos diretos no país mostraram “queda continuada” desde abril. Em dezembro, por exemplo, o IDP somou apenas US$ 739 milhões, 73% menos do que em dezembro de 2019. Especialistas avaliam, porém, que não foi só a pandemia de covid-19 que afastou os investidores estrangeiros do Brasil.
“As grandes empresas retraíram os investimentos no mundo todo por conta da pandemia, mas os países que fizeram o dever de casa sofreram menos. O Brasil, no entanto, gastou muito na pandemia e ainda não tem um projeto crível de médio prazo em relação à questão fiscal. Então, ficou mais vulnerável, tanto que algumas empresas deixaram o país, como a Ford”, disse o economista da Órama Investimentos, Alexandre Espírito Santo. “Além disso, a questão ambiental passou a falar mais alto em muitos países, mas ainda é um desafio no Brasil”, acrescentou.
A retração dos investimentos estrangeiros foi maior no Brasil do que em outros países emergentes. Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), a redução do IDP chegou a 24% na Indonésia, foi de apenas 8% no México e não chegou à Índia, que registrou aumento de 13% dos investimentos diretos em 2020.
Estrategista-macro da XP Investimentos, Victor Scalet explicou que o IDP corresponde aos investimentos produtivos, como a construção de uma fábrica. Ou seja, é um investimento de longo prazo, que requer confiança na trajetória futura do país e, por isso, está “em compasso de espera” no Brasil.
“O investimento direto tem retorno em cinco ou 10 anos. Por isso, quando o estrangeiro olha para o país e vê essas incertezas, espera um pouco mais para entender como será a saída da pandemia e como será a dinâmica fiscal”, explicou Scalet. Espírito Santo acrescentou que, nesse compasso de espera, quem perde é o trabalhador brasileiro, já que os investimentos diretos geram emprego e renda.
Perspectivas
Para os analistas, diante do cenário de incertezas, não será fácil recuperar o investimento que deixou de ser realizado no país em 2020. A expectativa é de que o IDP tenha uma “recuperação gradual” neste ano, beneficiado pela melhora da atividade econômica global e pela alta do dólar, que deixa os ativos brasileiros mais baratos aos estrangeiros. Essa recuperação, no entanto, só deve deslanchar depois que o país avançar com a vacinação contra a covid-19 e, sobretudo, com a resolução da questão fiscal.
Analistas calculam que o IDP deve ficar entre US$ 45 bilhões e US$ 50 bilhões em 2021. Ou seja, não voltará para a casa dos US$ 60 bilhões, como projetou o Banco Central no último Relatório Trimestral de Inflação. (CB)