Segundo o promotor responsável pela capital americana, todos que tiveram papel auxiliar no evento estão sendo investigados e não apenas os invasores
WASHINGTON — O Departamento de Justiça sinalizou na quinta-feira que não descarta denunciar formalmente o presidente Donald Trump se for concluído que ele possui responsabilidade formal por incitar seus apoiadores a marchar até o Capitólio e, em seguida, invadi-lo. Segundo o promotor da capital americana, “todos os atores” serão investigados, inclusive o presidente.
Michael Sherwin, promotor interino do distrito de Columbia, disse a repórteres que seu escritório irá investigar qualquer um que tenha auxiliado a invasão, que deixou cinco mortos, para além daqueles que adentraram no prédio. Ao ser questionado por repórteres se isso englobaria Trump, Sherwin repetiu:
— Estamos investigando todos os atores — disse. — Se as evidências se enquadrarem nos elementos de um crime, [os investigados] serão denunciados.
Seus comentários são significativos pois reafirmam o Estado de Direito diante de um presidente que, há quatro anos, usa o Departamento de Justiça a seu bel prazer, avançando sua agenda legislativa e em prol de seus aliados. A imunidade parlamentar que a Presidência dá a Trump, por outro lado, vai expirar em 12 dias.
Desde a eleição, Trump inflama sua base com acusações falsas de que teria sido alvo de fraude e, há semanas, convocava seus apoiadores para o ato em Washington no dia 6, afirmando que seria “selvagem”. O evento foi marcado para coincidir com a sessão conjunta do Congresso para confirmar a vitória de Joe Biden, última etapa antes da posse no próximo dia 20.
Horas antes da invasão, que buscava justamente interromper os procedimentos parlamentares, Trump fez um discurso inflamado para a multidão. Conforme seus aliados entravam no Capitólio, forçando os parlamentares a se esconder em locais seguros, Trump disse que amava os invasores e que eles eram “muito especiais”.
Ex-funcionários do governo Trump, como Jim Mattis, antigo secretário de Defesa, e William Barr, ex-secretário de Justiça, puseram a violência na conta presidencial. Aliados do presidente no Congresso, e o próprio vice-presidente, também romperam com a Casa Branca para condenar o ocorrido.
Diante de uma série de demissões no alto escalão — duas delas em seu Gabinete — e articulações ativas para removê-lo do poder, o presidente só condenou a violência na quinta-feira. Fugindo de seu tom habitual, não repetiu as alegações de fraude e se comprometeu com uma “transição pacífica de poder”.
Os comentários de Sherwin vieram em meio aos esforços para identificar e penalizar os invasores do Capitólio, tarefa que cabe à sua Jurisdição. Em entrevista coletiva, ele reclamou que a polícia do Congresso dificultou o trabalho da força-tarefa por não ter prendido os invasores. Agora, afirmou, o trabalho de encontrá-los é feito por meio de fotos, filmagens e postagens em redes sociais.
O promotor disse ainda que a Polícia do Capitólio não explicou porque prendeu apenas 14 pessoas, deixando centenas sair tranquilamente do prédio. Na internet circulam imagens inclusive de policiais tirando selfies com invasores — um tratamento bastante diferente das cenas de violência vistas a pouco mais de seis meses, durante os protestos antirracismo na capital.
Diante de denúncias de que a Polícia do Capitólio teria inicialmente rechaçado reforços, o responsável pela força, Steven Sund, pediu demissão. Os responsáveis pela segurança da Câmara e do Senado também o fizeram.
Até o momento, 40 denúncias foram apresentadas à Justiça local por violação de propriedade, agressão e porte irregular de armas. Outros 15 processos serão abertos em escala federal pela invasão do Capitólio, roubo e posse ilegal de armas. A polícia anunciou também que quase 70 pessoas foram presas desde quarta.
Os invasores roubaram eletrônicos e documentos de escritórios de parlamentares, como o da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, que podem representar um risco para a Segurança Nacional. O escopo do problema, disse Sherwin, ainda é desconhecido.
Nas últimas semanas, noticiou o New York Times, Trump tem ponderado a possibilidade de se autoindultar antes de deixar o cargo, algo sem precedente cuja legalidade é motivo de discórdia entre constitucionalistas. Ele também teria discutido perdões preventivos para seus três filhos, Jared, Ivanka e Eric.
O poder de perdão, no entanto, apenas vale para crimes federais, o que significa que não estará protegido de problemas legais em nível estadual. A procuradora geral de Nova York, Letitia James, abriu um inquérito relacionado a fraudes nos negócios do presidente, enquanto o procurador distrital de Manhattan, Cy Vance, está em outra frente de investigações.
O Globo e New York Times