Medida é a mais recente violação ao pacto nuclear e pode complicar os esforços de Biden para retornar ao acordo; relação entre Teerã e Washington se agrava na reta final do governo Trump
O Irã anunciou nesta segunda-feira que voltou a enriquecer urânio com pureza de 20%, nível alcançado antes do acordo nuclear de 2015. A medida é a mais recente de uma série de violações do acordo, que o Irã começou a aplicar em 2019 em retaliação à saída unilateral dos Estados Unidos do pacto e à reimposição de sanções americanas contra Teerã.
A medida, que coincide com o acirramento das tensões entre Teerã e Washington nas semanas finais do governo de Donald Trump, possivelmente complicará os esforços do presidente Joe Biden para retornar ao pacto nuclear. Em mais uma manobra polêmica, o Irã confiscou nesta segunda-feira um navio da Coreia do Sul, onde o governo do país persa tem US$ 7 bilhões congelados devido às sanções impostas pela Casa Branca.
O aumento do nível de enriquecimento para patamares acima dos 3,67% estabelecidos no acordo foi uma das medidas previstas em uma lei aprovada pelo Parlamento no mês passado em resposta ao assassinato em novembro do principal cientista nuclear do país, Mohsen Fakhrizadeh, pelo qual Teerã culpou Israel. O Irã já havia violado o limite de 3,67%, mas apenas para 4,5%.
Em resposta à medida anunciada por Teerã, o premier israelense, Benjamin Netanyahu, disse que os iranianos têm por fim desenvolver armas nucleares e que Tel Aviv nunca deixará isso acontecer. O nível de 20% permite o uso do urânio para a produção de isótopos médicos, apesar de deixar o Irã mais próximo do enriquecimento a 90% necessário para a produção de armas nucleares.
— Há alguns minutos, o processo para produzir urânio enriquecido a 20% começou no complexo de Fordow — disse o porta-voz do governo, Ali Rabeie, referindo-se à planta subterrânea construída em uma montanha perto da cidade de Qom.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que havia sido informada dos planos iranianos no dia 1, confirmou que o enriquecimento a 20% foi iniciado.
Em Bruxelas, um porta-voz da Comissão Europeia disse que o novo passo iraniano, “se confirmado, constituiria um afastamento considerável dos compromissos iranianos”. Segundo o bloco, “todos os participantes estão interessados em manter o acordo vivo”.
Pelo pacto nuclear, firmado em 2015, o Irã abriu mão formalmente de produzir a bomba atômica e aceitou inspeções abrangentes da AIEA em suas instalações nucleares, o que continua ocorrendo. Em troca, colheria benefícios econômicos com a suspensão das sanções dos EUA, da União Europeia e da ONU — a retomada das punições e econômicas pelos americanos após Trump sair do acordo, no entanto, teve duras consequências para a já frágil economia iraniana.
Navio confiscado
Em paralelo, o clima voltou a esquentar no Golfo Pérsico após a Guarda Revolucionária do país persa confiscar o navio sul-coreano Hankik Chemi, que carrega 7,2 toneladas de etanol e ia da Arábia Saudita para os Emirados Árabes.
De acordo com as autoridades, o navio foi abordado perto do Omã por poluir o Golfo com químicos e escoltado até o porto de Bandar Abbas, tratando-se apenas de questões técnicas. Seus tripulantes, cidadãos da Coreia do Sul, da Indonésia, do Vietnã e de Mianmar, foram detidos. Não se sabe quantas pessoas estavam a bordo.
A chancelaria sul-coreana exigiu a liberação imediata do navio, enquanto a porta-voz da Quinta Frota americana, sediada no Bahrein, Rebecca Rebarich , disse que a Marinha dos EUA está acompanhando a situação. A apreensão ocorreu nas vésperas da visita do vice-chanceler coreano a Teerã para discutir a liberação dos US$ 7 bilhões em fundos congelados na Coreia do Sul devido às sanções dos EUA.
Em 2019, o Irã aumentou as tensões no Golfo Pérsico após confiscar o tanque britânico Stena Impero no Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% de todo o petróleo do planeta. Duas semanas antes, uma fragata britânica havia confiscado um navio iraniano em Gibraltar.
As novas tensões também coincidem com o aniversário de um ano, no último domingo, do assassinato pelos EUA do general iraniano Qassem Soleimani, crime que deixou os dois países à beira de uma guerra aberta. Na semana passada, faltando dias para o marco, o Pentágono ordenou o sobrevoo do Golfo Pérsico por bombardeiros B-52, capazes de levar bombas atômicas.
Fonte: O GLOBO