Tião Lucena*
Assim que Zé Orestino desligou o motor, a cidade mergulhou nas trevas da meia noite. O silêncio cobriu Princesa de uma ponta a outra. Não fosse a voz de Capitão Clodoval cantando “Célia, por você abandonei…”, podia se dizer que se tratava de uma cidade fantasma. A voz de Clodoval, cortada pela emoção dos enamorados, era acompanhada pelo violão de Paulo Bocão, que de vez em quando também fazia seu vozeirão potente impactar os ouvidos dos moradores, declamando em tom de música “eu tanto omilhei…”
Manoel Cardoso e Seu Dezim começavam o turno da guarda, avisando com seus apitos que o guarda noturno estava passando pela rua.
Até que se ouviu o pipocar dos tiros.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, assim, na sequência, um atrás do outro, alarmando os dorminhocos e acordando as galinhas.
Cabeças apareceram nas janelas, os mais afoitos foram para o meio da rua.
- Veio lá da Rua Grande -, identificou Luiz do Bilhar.
- Parece que da casa de Geraldo -, completou Chico de Martílio, que na pressa pulara da cama vestido com a cueca samba canção aberta na parte frontal.
Àquela altura do campeonato a Rua Grande já estava cheia de curiosos. Os moradores da rua se misturavam aos agregados das zonas periféricas.
Um tiroteio daqueles, numa noite escura daquelas, era incomum.
Até Frei Terésio, que dormira tarde naquela noite depois do enjoado trabalho de empacotar os rolos de filmes do Cine Santa Maria, estava no meio da turba, trocando idéias com Antonio Conrado.
Finalmente o mistério foi revelado.
A trava da porta da casa de Geraldo foi puxada, a porta se abriu e dela saiu um Geraldo vestido com uma impecável camisa branca, totalmente desabotoada do pescoço à cintura e apresentando, em cada banda, três bem perfilados buracos de bala, um abaixo do outro, em fila, três num lado e três no outro, enquanto na parte frontal aparecia um tórax sem qualquer arranhão.
Vendo aquilo, Antonio de Isabel, sem conter o riso, comentou: - Escapou fedendo!.