*Miguel Lucena
Um trecho da biografia de Clarice Lispector, escrita por Benjamin Moser, em que relata assédio abusivo do ex-presidente Jânio Quadros sobre a famosa escritora, em 1962, numa residência do Rio de Janeiro, foi classificado como “irresponsabilidade literária” e “infelicidade absoluta” pelo professor universitário, jornalista e escritor Nelson Valente, o maior conhecedor da vida do ex-presidente e político Jânio Quadros, sobre quem escreveu 28 livros.
Na página 361, Moser diz que Jânio, após proferir “interminável discurso na encantadora casa da Sra Barbosa, convidou Clarice a quarto privado, onde se pôs a apalpá-la com tanto ardor que, na luta para afastá-lo, ela rasgou o vestido. Ofegante, Clarice saiu correndo do quarto e disse a Maria Bonomi que precisavam ir embora imediatamente, jogando o xale da amiga nos ombros, para cobrir o vestido rasgado. No caminho para a casa de Maria, uma ofensa final aguardava a aturdida laureada. Dentro de um envelope do prêmio, a recompensa em dinheiro: um total de vinte cruzeiros – por um livro que custava 980”. Em 1962, Jânio Quadros não era mais Presidente da República, mas Jango.
Valente esclarece, provando com a agenda presidencial que me apresentou, que Jânio foi ao Rio somente em julho de 1961, para cerimônia no Museu de Arte Moderna com o presidente argentino Arturo Frondizi Ercoli, chegou atrasado e saiu atrasado, sempre acompanhado de Dona Eloá. Ele não esteve na residência de ninguém e retornou imediatamente a São Paulo, porque não suportava a companhia do então governador do Rio, Carlos Lacerda.
O trecho do livro seria uma cópia de outra história forjada em 1955, o famoso “Caso Diva”, quando Jânio era governador de São Paulo, narrada a seguir pela própria Diva, que em seguida se retrataria:
“No dia 3 de setembro de 1955, por volta das 15h, fui procurar o sr. governador. Após ser introduzida em seu gabinete, para pleitear a readmissão no Departamento de Saúde, fui informada que minha pretensão seria atendida. Nessa oportunidade, notei que o sr. Jânio Quadros, pela maneira de fitar-me, não alimentava boas intenções. Ao mesmo tempo o sr. Jânio Quadros, visivelmente transtornado, se aproximava de mim, abraçando-me, rasgando minha roupa e estava muito ofegante! Diante de minha recusa, o sr. Jânio Quadros, desapontado, conduziu-me a sua mesa, onde teve esta expressão:
- Foi melhor Diva… Foi melhor você ter-me resistido.
Nunca mais fui readmitida em seu Gabinete para que pudesse defender os meus direitos”.
Jânio Quadros, segundo Valente, reiteradas vezes perguntava: - A quem aproveita esse crime?
Diva, após um longo tempo, trazia consigo uma pasta de papéis e passou a lê-los. Era uma retratação por inteira, escrita, assinada, com testemunhas.
Ela dizia que o indivíduo Arnaldo Alves Ferreira incentiva-a a ofender a reputação de Jânio. Diva declarou estar arrependida do que havia feito.
“Assim terminava a mais horrível campanha já presenciada pelo povo paulista, em toda a vida política do Estado”, destaca Nelson Valente.
O professor arremata que Jânio foi muito perseguido porque, ao assumir a Presidência do Brasil, começou a instaurar investigações para acabar esquemas que haviam sido montados por Juscelino Kubistchek na Petrobrás, Companhia Siderúrgica Nacional e companhias estatais, com desfechos que seriam semelhantes aos alcançados hoje pela Operação Lavajato. Por coincidência, a Odebrecht já operava na Petrobras, onde começou a ganhar rios de dinheiro em 1954, um ano após a fundação da estatal, com o contrato para a construção do oleoduto Catu-Candeias, de cerca de 80 km, e que levava o óleo extraído do campo de Catu para a refinaria de Mataripe, na Bahia.
Essa parceira foi fundamental para a expansão e consolidação nacional da empresa. De fato, com o sucesso da obra, formou-se uma espécie de parceria entre a Petrobrás e Odebrecht, que já dura quase 63 anos, incluindo obras como construção e montagem de refinarias, plataformas marítimas, estações de tratamento de águas, laboratórios, instalações de apoio, pontes, canais, barragens, armazéns, casa de força, dragagens, residências, clubes, estradas, edificações, portos e a perfuração de 140 poços no mar.
*Miguel Lucena é Delegado de Polícia do DF, jornalista e escritor.