Arnaldo Niskier da, da Academia Brasileira de Letras
Abraçada à sua cachorrinha Pilara, a imortal Nélida Piñon falou ao programa
“Identidade Brasil”, no Canal Futura. Contou , com o desembaraço de sempre, a
respeito do romance “Um dia chegarei a Sagres”, que ela escreveu em Portugal, apesar
de considerá-lo “perigoso”.
O personagem Mateus, nascido na região do Minho, tem o sonho de viajar
para Sagres, à beira do Atlântico, a fim de conviver com a fabulosa epopéia do Infante
D. Henrique e da sua extraordinária escola que produziu notáveis navegantes. Segundo
Nélida, “a viagem é o destino do povo português.”
A escritora carioca, que estreou em 1961, vencedora de grandes prêmios
internacionais como o Juan Rulfo e o Príncipe de Astúrias, foi presidente da Academia
Brasileira de Letras. Tive o privilégio de trabalhar ao seu lado, como Secretário-Geral,
e assim participar de sua bem sucedida gestão.
Considerando-se sempre imigrante, Nélida afirma em seu romance que “as
palavras é que nos governam.” Dá uma importante lição de moral: “Não confie em
quem maltrata os animais.” Aborda em sua obra a poética de Camões. Para ela, ouvir é
missão evangélica.
Faz uma descrição muito bonita da paixão de Mateus por Leocádia,
focalizando o embate do desejo. Depois de passar pela experiência das relações de
Mateus com Akin, o Africano, se fixa no amor por Amélia. Na página 432, deixa claro
que mais vale sonhar do que viver. Registra uma breve passagem do personagem
principal pelo Rio de Janeiro, na época marcado pela escravidão.
Nélida destaca os navegantes portugueses, “que inauguraram metade do
mundo.” A Bíblia está presente em suas páginas e debate sobre a imortalidade da alma,
com referência à poderosa Universidade de Salamanca, onde tive o privilégio de fazer
uma palestra sobre a educação brasileira. Fala também do rei Pedro e sua paixão por
Inês de Castro, afinal juntos no Mosteiro de Alcobaça. Mostra a rudeza da melancolia e
a beleza dos sempre elogiados azulejos de Lisboa. Há um natural destaque para a
extraordinária comida portuguesa. Trata-se de uma obra que, sem dúvida, honra, e
muito, o renome literário de Nélida Piñon.
*Arnaldo Niskier, escritor, professor e jornalista, autor de dezenas de obras técnicas e literárias e ex-secretário de Educação do Rio de Janeiro, presidiu a Academia Brasileira de Letras em 1998 e 1999.