*Nelson Valente
JÂNIO E AS UVAS
A Festa da Uva, tradição da cidade gaúcha de Caxias do Sul, começou na capital do Estado, quando o Viscount presidencial ali aterrissou, conduzindo Jânio Quadros, D. Eloá e sua comitiva.
O percurso para Caxias foi feito por estrada de rodagem. Trabalhadores e camponeses, enfileirados nos dois lados da rodovia, saudaram o Presidente da República com tão entusiásticos vivas e palmas que quase lhe arrancaram lágrimas de emoção.
O encontro entre Jânio Quadros e Leonel Brizola resultou mais proveitoso e cordial do que imaginavam os políticos de todos os partidos. D. Eloá, descendente de gaúchos, percorreu demoradamente a exposição e recebeu as homenagens das moças que enfeitavam os stands.
– A presença de Vossa Excelência nesta solenidade restabelece a tradição do comparecimento do Presidente da República à celebração da Festa da Uva de Caxias do Sul.
Com estas palavras, o governador Leonel Brizola saudou o presidente Jânio Quadros no momento em que era inaugurada a Exposição Agro-Industrial daquela cidade. As importantes conversações políticas, horas depois mantidas entre o presidente e o governador, desenrolaram-se à margem de uma das festas populares mais bonitas do Brasil.
Na semana da Festa da Uva, as grandes colinas cobertas de vinhedos que rodeavam a cidade pareciam ser transplantadas para o Centro de Caxias. Toneladas de uvas faziam o cenário de fundo para louras moças que, no recinto da exposição, enfeitavam os stands dos vinicultores.
Estes eram os industriais mais orgulhosos do brasil. Seus produtos adquiriram um importante papel na economia do País e estavam sendo exportados.
Um capítulo à parte das alegres comemorações era a eleição da Rainha da festa. Helena Luiza Robinson, no momento em que era coroada, ouviu a piada de Jânio: – É uma uva!
PINEL E CADEIA
O candidato, Adhemar de Barros, sempre marcava seus comícios numa cidade antes de Jânio Quadros. Certa feita, os dois grupos se encontraram em Mogi-Guaçú/SP.
– “Entre as várias obras que fiz em São Paulo está o Pinel, hospital de loucos. Infelizmente, não foi possível internar todos. Um desses loucos havia escapado e fará comício nesta mesma praça amanhã”.
Para delírio do povo (ademarista) a gargalhada era geral.
No dia seguinte, Jânio Quadros, após alguns segundos de silêncio e com calma faz um relato do velho mundo, conta algumas histórias sobre o período republicano e dá o troco:
– “Quando fui governador de São Paulo, construí várias penitenciárias, mas não foi possível trancafiar todos os ladrões. Um escapou e fez um comício aqui mesmo nesta praça ontem”.
O PRESIDENTE E A PROFESSORA
A velhinha octogenária olhou de relance a multidão à sua volta, baixou os olhos marejados de lágrimas e, emocionada, mal pode falar:
– “Obrigada… Presidente Jânio!”
Naquela manhã fria do Domingo curitibano, a professora Maria Estrela Carvalho recebia do chefe da Nação a Comenda da Ordem Nacional do Mérito.
Em 1925, na mesma escola onde agora se realizava a cerimônia – o Grupo Escolar Conselheiro Zacarias, na capital paranaense – ela ensinava o bê-a-bá
A Jânio Quadros. Depois de trinta e seis anos (a mestra aposentada e o ex-aluno feito Presidente da República) os dois voltaram a se encontrar.
Foi a parte sentimental do roteiro de Jânio em sua visita ao Paraná onde inaugurou a Universidade Volante do Estado. Como fazia quando menino, Jânio foi até o grupo a pé. A professora mineira, na época com 79 anos de idade, evocava:
– “Se não me engano, ele sempre vinha à escola acompanhado pela irmã”.
Nascida em Volta Grande, no Estado de Minas Gerais e diplomada em Juiz de Fora, o casamento transferiu D. Maria Estrela para o Paraná, no ano de 1917.
– Jânio foi meu aluno em 1925 – conta ela acariciando a medalha. Lembro-me de que naquele tempo a família Quadros morava na rua 13 de Maio, no Centro de Curitiba.
A velhinha ajeitou cuidadosamente o chapéu e prosseguiu:
– “O eu o caracterizava era uma atitude reservada e ponderada. Talvez por isto, entre tantos alunos que ensinei, me ficasse gravada a sua figura”.
Depois de um ano, o Dr. Gabriel Quadros transferiu-se com a família para São Paulo e a professora Maria Estrela não teve mais notícias do antigo aluno. Um dia deteve-se examinando num jornal a fotografia do governador paulista e o reconheceu. Só em 1961, porém, tornaram a encontrar-se.
Nem por isso D. Maria Estrela alterou seus sentimentos:
– “Considerei sempre meus alunos como verdadeiros filhos, Jânio ainda é um deles”.
No final da cerimônia, a professora voltou ao presente e dando conta de que ao seu lado não estava mais o menino de 1925, indagou:
– “E a Tutu, como vai?”
O Presidente, sorrindo, informou:
– “Vai bem! Já tem uma Tutuzinha!”
Nelson – O internato influenciou muito a sua personalidade?
JÂNIO QUADROS:-“Cá em São Paulo comecei externo mas fiz tantas e tão boas que passei a semi-interno. Também não servi ao semi-internato então lá fui para o internato. E já vinha com uma folha corrida respeitável do Paraná. Só o regime de internato é que me pôs nos trilhos, de alguma forma. Como moleque, estudando no Grupo Escolar Conselheiro Zacarias, em Curitiba, tive mais de uma régua de professora quebrada na minha cabeça”.
Nelson – Conte uma dessas tantas e boas.
JÂNIO QUADROS:–“Eu gostava muito de mascar mata-borrão e atirar bolotas no pescoço da professora com um elástico, (risos) Sempre quando ela estava de costas. Ou então fazia pequenos montes de lama bem à frente do grupo ou das casas dos homens que não me agradavam, e acendia uma grande bomba debaixo. Imagine como ficava o pórtico das casas!”
Nelson – Professores que marcaram sua vida.
JÂNIO QUADROS:-“De qualquer maneira. alguns de meus professores marcaram minha vida de tal maneira que quando era Presidente da República fui a Curitiba inscrever na Ordem do Mérito a professora que de quando em quando me corrigia com a régua. Chamava-se Maria Estrela e fui oficialmente ao Paraná, como Presidente, conceder-lhe a Ordem do Mérito. Cá em São Paulo apanhei um irmão Marista que atendia pelo nome carinhoso de Feijoada e lhe concedi o Cruzeiro do Sul mais ou menos na época em que condecorei Guevara. Esse homem era francês”.
Nelson – Então era Irmão Cassoulet.
JÂNIO QUADROS:-“Pouca gente se lembra da condecoração desse irmão”.
Nelson – Já a outra marcou demais.
JÂNIO QUADROS:-“Todos se lembram e muitos me cobram a condecoração concedida a Guevara”.
JÂNIO X FREITAS NOBRE
Certa vez, quando prefeito (1953), Jânio proibiu a entrada no seu gabinete, do jornalista Freitas Nobre, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais. Foi um Deus nos acuda. Jânio Quadros alegou que o jornalista distorcia os fatos, inventava notícias, para comprometê-lo.
A imprensa caiu sobre o prefeito, por esse gesto.
JÂNIO ODIAVA RECEBER PRESENTES
De outra feita, uma firma sueca ofereceu ao governador Jânio Quadros, um carro de luxo que custaria, na época, uns 800 mil cruzeiros. Bastaria a Jânio pagar as despesas de alfândega e impostos, para entrar na posse do veículo. Sabendo que Jânio não gostava de tais ofertas, a firma endereçou a ele uma carta delicada, no qual fazia o presente.
Assim mesmo Jânio Quadros o recusou, alegando não ter dinheiro nem mesmo gastos de alfândega e impostos.
Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor