O ministro Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia e Inovações) usou compromisso oficial em setembro para driblar restrições a viajantes do Brasil por causa da pandemia de Covid-19 e passar férias em Houston, cidade no Texas (EUA) onde moram sua esposa e seus dois filhos.
Dessa forma, Pontes conseguiu ainda desfrutar de dez dias de férias no exterior sem gastar com passagens aéreas, uma vez que os deslocamentos foram custeados com recursos públicos.
Em maio, diante do aumento de casos de novo coronavírus no Brasil, o presidente Donald Trump proibiu a entrada nos Estados Unidos de estrangeiros -incluindo brasileiros- que tivessem estado no Brasil 14 dias antes. Quando o republicano assinou a proclamação, havia quase 23 mil mortos pela doença no país – hoje, o total se aproxima de 160 mil.
A restrição, porém, não se aplica a quem tem passaporte diplomático. Com base nessa regra, Pontes aproveitou uma agenda na Universidade Rice, em Houston, no dia 4 de setembro, para entrar nos Estados Unidos com passaporte diplomático. Oficialmente, o ministro iria visitar universidades “com a finalidade de iniciar processos de parceria”.
A família do ministro reside em Houston desde o fim dos anos 1990, quando todos se mudaram para a cidade para que Pontes iniciasse a preparação para representar o Brasil na Estação Espacial Internacional.
O detalhamento dos motivos para viagem disponível no Portal da Transparência indica que a programação do ministro incluía visita à Rice no dia 4 e compromissos na A&M University no dia 5 (sábado), na University of Texas no dia 6 (domingo) e na University of Houston no feriado de 7 de setembro.
Na agenda oficial de Pontes, publicada no site do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, aparece a visita a projetos de tecnologia da Rice University no dia 4, programação na Texas A&M University e na Universidade de Houston no dia 5 e nova ida à Rice no feriado de 7 de setembro.
No dia 3 de setembro, foram publicados no Diário Oficial da União dois despachos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que se referiam ao ministro.
Na exposição de motivos número 96, Bolsonaro autorizava o afastamento de Pontes do Brasil no período de 19 a 29 de setembro para que ele participasse da 64ª Conferência-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), evento realizado de 21 a 25 de setembro em Viena, Áustria.
Já na exposição de motivos 97, o presidente deu aval para que Pontes tirasse férias de 8 a 18 de setembro.
Portanto, o período de férias do ministro se deu entre as duas missões oficiais. Em vez de retornar ao Brasil após a série de visitas a universidades nos Estados Unidos, Pontes permaneceu em Houston, cidade onde mora sua família.
O Portal da Transparência registra a compra de uma passagem só de ida de São Paulo para Houston em 3 de setembro, ao custo de R$ 10.634,43, e o pagamento de quatro diárias na cidade do Texas, totalizando R$ 10.100,59. Via LAI (Lei de Acesso à Informação), a Folha obteve a programação de voo do ministro para Viena.
Pontes partiu de Houston em 19 de setembro, fez escala em Nova York e Lisboa antes de terminar na capital austríaca.
Uma pesquisa por voos nos sites de companhias aéreas mostra que a compra de trechos em separado, para o trajeto percorrido pelo ministro, pode representar um acréscimo de 30% a 40% nos preços das passagens, em relação à compra de trechos casados, com ida e volta -no caso, São Paulo-Houston-São Paulo e São Paulo-Viena-São Paulo.
A Folha procurou as quatro universidades informadas pelo ministro na justificativa que consta no Portal da Transparência. Delas, apenas a Rice e a Universidade de Houston responderam.
Em resposta a questionamentos sobre a agenda do ministro no centro de ensino, a assessoria de imprensa da Universidade de Houston informou que não encontrou informações sobre visita do ministro à instituição -no Portal da Transparência e na agenda oficial já há divergência sobre quando teria ocorrido.
Na Rice, a universidade explicou que, em 2019, durante um encontro da câmara de comércio Brasil-Texas, o ministro conheceu representantes da Brasil@Rice, entidade que ajuda a divulgar a instituição de ensino junto a estudantes brasileiros e desenvolve projetos de parcerias acadêmicas e profissionais.
Na ocasião, houve conversas sobre possibilidade de colaboração entre o ministério e a universidade. A seguir, o consulado brasileiro em Houston e a câmara de comércio começaram a organizar a visita de Pontes ao campus.
Segundo a Rice, Pontes visitou o centro de ensino em 4 de setembro -não há menção a nenhuma ida à universidade no dia 7, como informa a agenda oficial do ministro. Lá, o ministro esteve em laboratórios e no centro de pesquisas em biociências da universidade.
O ministro almoçou com estudantes, pesquisadores e representantes da universidade, incluindo o presidente do centro de ensino, David Leebron.
Não é a primeira vez que Pontes vai a Houston em compromissos oficiais. Em novembro do ano passado, ele esteve na cidade texana de 19 a 23 de novembro, em viagem com custo total de R$ 25.464,77.
No Portal da Transparência, o motivo para o afastamento do ministro do Brasil era participação dos eventos Space Port Summit e Bratecc’s Fall Mixer, na churrascaria Fogo de Chão, nos quais Pontes seria recebido como convidado especial.
Não há informações na agenda oficial sobre o que o ministro fez no período.
Em março de 2019, o ministro foi de São Paulo para Houston no dia 8 e ficou na cidade texana até o dia 17 -passou o aniversário, em 11 de março, lá.
Inicialmente, o despacho de Bolsonaro que autorizou a viagem do ministro afirmava que Pontes iria não apenas para a cidade onde mora sua família, mas também para Washington.
No entanto, no dia 13, quando já se encontrava no Texas, foi publicada uma retificação no Diário Oficial da União, afirmando que “onde se lê: ‘com destino a Houston e Washington, D.C., Estados Unidos da América’, leia-se: ‘com destino a Houston, Estados Unidos da América'”. O custo total da viagem ficou em R$ 24.673,64.
A Folha procurou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações pela primeira vez no dia 3 de setembro, solicitando explicações sobre as férias e as viagens oficiais de Marcos Pontes. Não houve retorno.
Nos últimos 10 dias, a reportagem enviou e-mails questionando, entre outras coisas, por que o ministro escolheu as universidades mencionadas para visitar -e não outras, de diferentes localidades americanas. Perguntou também se Pontes considerava correto passar férias nos Estados Unidos mesmo com a restrição imposta a turistas brasileiros e se os compromissos oficiais foram criados para casar com suas férias, evitando pagar passagens com recursos próprios.
Os questionamentos não foram respondidos. (Notícias ao Minuto)