Um grupo de 80 pesquisadores alertou nessa quarta-feira (14/10), em carta à revista The Lancet, que abordagens sobre imunidade de rebanho para manejo da Covid-19 é uma “falácia perigosa” ao permitir que a imunidade se desenvolva em populações de baixo risco enquanto se protege os mais vulneráveis. Segundo eles, essa estratégia “não tem apoio de evidência científica”. O alerta foi feito diante da segunda onda do novo coronavírus que atinge a Europa, com mais de um milhão de mortes em todo o mundo devido à doença.
No documento, os cientistas de universidades de diferentes países, como Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha e Itália, e de distintos campos da saúde, apresentaram observações do consenso científico acerca da compreensão da Covid-19, além das estratégias que precisam ser implementadas para proteger sociedades e economias. Eles afirmam que, na fase inicial da pandemia, muitos países instituíram lockdown para reduzir a disseminação do vírus, o que “foi essencial para diminuir a mortalidade, proteger os serviços de saúde de ficarem sobrecarregados e ganhar tempo para articular sistemas de resposta para suprimir a transmissão”.
Contudo, os pesquisadores reconhecem que a medida teve impactos na saúde física e mental das pessoas, bem como ameaçou a economia das nações, sendo pior naquelas que não conseguiram estabelecer um sistema de controle efetivo. “Isso, compreensivelmente, levou a desmoralização generalizada e diminuição da confiança. A chegada de um segunda onda e a compreensão dos desafios à frente levaram a um interesse renovado na chamada imunidade de rebanho, o que sugere permitir um grande surto não controlado na população de baixo risco enquanto se protege os vulneráveis”, afirmam, para em seguida dizerem que “essa é uma falácia perigosa não suportada por evidências científicas”.
Os cientistas justificam que qualquer estratégia de manejo de pandemia baseada na imunidade de infecções naturais da Covid-19 é falha e que a transmissão não controlada em pessoas mais jovens representaria um risco significativo de mortalidade em toda a população. Eles destacam também que não há evidências de imunidade duradoura ao Sars-CoV-2 após a infecção e a transmissão endêmica, resultado da imunidade decrescente, “representaria um risco para as populações vulneráveis por um futuro indefinido”. Em vez de acabar com a pandemia, a medida resultaria em repetidas ondas de transmissão por muitos anos.
Também nessa quarta-feira (14/10), organizações de saúde pública dos Estados Unidos se manifestaram contra a estratégia de usar a imunidade de rebanho para controlar a disseminação do novo coronavírus. A declaração foi uma resposta a um manifesto supostamente escrito por cientistas e não cientistas chamado Great Barrington. As instituições afirmam que as proposições não são baseadas na ciência, ignoram conhecimentos sólidos de saúde pública e “sacrificariam vidas aleatoriamente e desnecessariamente”. Além disso, consideram o manifesto como político, não estratégico.
“Combater a pandemia com bloqueios ou reabertura total não é uma escolha binária. Precisamos adotar práticas de saúde pública de bom senso que permitam uma reabertura segura da economia e um retorno ao trabalho e aprendizagem presencial, ao mesmo tempo que usamos estratégias comprovadas para reduzir a propagação do vírus”, defendem. Em agosto, o diretor do programa de emergências da Organização Mundial da Saúde afirmou que a imunidade de rebanho não é a “salvação” da pandemia e que não se poderia viver na esperança disso.
Para os cientistas que escreveram a carta à The Lancet, é fundamental agir de forma decisiva e urgente. “Medidas eficazes para suprimir e controlar a transmissão precisam ser amplamente implementadas e devem ser apoiadas por programas financeiros e sociais que incentivem respostas da comunidade e abordem as desigualdades que foram ampliadas pela pandemia”, afirmam. Para eles, restrições contínuas provavelmente serão necessárias no curto prazo para evitar futuros lockdowns. “A proteção de nossas economias está intimamente ligada ao controle da Covid-19. Devemos proteger nossa força de trabalho e evitar incertezas de longo prazo.”
Os autores concluem que as evidências são claras: “controlar a disseminação comunitária da Covid-19 é a melhor maneira de proteger nossas sociedades e economias até que vacinas e terapias seguras e eficazes cheguem nos próximos meses. Não podemos permitir distrações que minem uma resposta eficaz”.