*Frutuoso Chaves
Vi na internet e juro como vou fazer. É assim: ponha gelo no liquidificador e o triture o quanto possa. Despeje-o, assim pulverizado, num copo e jogue por cima o refresco preferido. Li que isso fica bom com qualquer desses envelopes de refresco em pó. É preciso que o xarope seja muito forte e doce, pois vai encharcar o gelo e ser por ele diluído.
Repito: vou fazer, sim. Até porque, de uns tempos para cá, tenho perseguido as cores, cheiros e sabores da minha infância, coisas de cuja falta me ressinto, mais e mais, a cada amanhecer. Será sempre assim com quem envelhece? O avanço dos anos nos idiotizam a ponto de buscar sopros do passado, como quem busca o rejuvenescimento?
Sei lá. Mas sei que posso muito bem experimentar futilidades como a raspadinha. Basta mandar ao diabo que os leve os riscos das doenças típicas da idade, a diabetes entre elas. Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Não é, Fernando Pessoa?
Ah, a raspadinha… Ninguém, para mim, a fez tão bem quanto o Compadre Ramos. Não que eu, um menino de nove ou dez anos, tivesse idade suficiente para o compadrio naquele Pilar da segunda metade de 1950. O tratamento por mim dispensado àquele senhor de voz e gestos calmos advinha dos tratos de meus pais que lhe apadrinharam a filha caçula.
Eu e meus irmãos incorporávamos os “compadres” e as “comadres” na relação com os adultos por supor que isso fizesse parte dos nomes com que foram à pia batismal, porquanto eram assim referidos por Seu Juca e Dona Vininha.
O carrinho com barras de gelo, raspador de metal e garrafas de conteúdo amarelo, roxo ou vermelho vivo instalava-se bem em frente à nossa Padaria. Moeda disposta por minha mãe ao que bem desejasse, lá ia eu para os sabores de framboesa, cereja, morango e frutas outras originárias de terras distantes, porém armazenadas, ali, em pequenas garrafas, na minha calçada, ao bel prazer de gente grande e pequena. “Isso é tinta. Faz mal”, reclamava Dona Vininha, mal percebendo a inutilidade do conselho.
Ninguém, evidentemente, me tiraria da cabeça a confiança cega de que estava mesmo a provar delícias comuns à vida de famílias da Europa ou Estados Unidos, conforme eu podia depreender dos personagens que me traziam a leitura de alguns gibis e os filmes do cineminha de Seu Zé Ribeiro. O fato é que eu sorvia aquilo com o prazer de quem desfruta das grandes e raras oportunidades.
Vou fazer, sim. Quem sabe, mesmo por um breve momento, venha a ter o espírito em festa.
* Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).