O isolamento social decorrente da pandemia trouxe novos hábitos para a população e uma corrida das empresas para se adaptar a uma tendência que virou realidade. Companhias que já eram digitais cresceram como nunca durante o confinamento e foram premiadas com maior valorização de seus ativos. Aquelas que estavam no meio do caminho aceleraram o processo de digitalização, viraram multicanais e passaram a transitar com mais facilidade entre o mundo offline e o online.
“Nesse processo, as empresas brasileiras ganharam 5 anos em 5 meses. Mas, num contexto geral, podemos ter um ganho de uma década”, afirma o presidente da Trevisan Escola de Negócios, VanDyck Silveira. As grandes companhias já tinham um plano de digitalização montado, mas para ser tocado num ritmo mais lento. Quando a pandemia chegou, elas entenderam que tinham de acelerar os projetos para reduzir os impactos da crise, completa o gerente de pesquisa e consultoria de Enterprise da IDC Brasil, Luciano Ramos.
É o caso da varejista de moda C&A, que foi obrigada a fechar suas 290 lojas durante o confinamento. O processo de digitalização da companhia vinha sendo tocado desde 2015, com a abertura do e-commerce da rede. A cada ano uma nova ferramenta era apresentada para facilitar a experiência do consumidor nas compras virtuais.
A transformação estava sendo gradual, sem muita correria, até que a pandemia obrigou a rede a acelerar os planos. Com as lojas fechadas, a única saída era apostar nas vendas online, que cresceram 350% no período. A participação do digital saiu da casa de um dígito para alcançar 50% das vendas, afirma o chefe de e-commerce da C&A, Fernando Guglielmetti.
Ele calcula que em apenas quatro meses a empresa conseguiu um avanço que demoraria, pelo menos, três anos. Para se ter ideia, o número de usuários ativos, que antes da pandemia era de 500 mil a cada 30 dias, saltou para mais de 3 milhões. Além do aplicativo, que representa 50% das vendas online da empresa, outras ferramentas ganharam peso na pandemia, como o WhatsApp e o programa Ship From Store, em que o produto comprado na internet é separado pela loja mais próxima do cliente para acelerar a entrega.
Outra iniciativa impulsionada na pandemia foi o marketplace da C&A, que ganhou novos produtos e marcas. Hoje, a plataforma vende, além de roupas e produtos de moda, joias, objetos de decoração, brinquedos, games e eletrônicos. “Antes da pandemia tínhamos 5 marcas em nossa plataforma. Hoje já temos 100 e vamos continuar crescendo. Nosso objetivo é oferecer também uma gama de serviços, desde beleza, personal stylist até logística.”
Na avaliação de Luciano Ramos, do IDC Brasil, quem conseguiu fazer essa virada do físico para o digital rapidamente reagiu melhor aos efeitos da pandemia. E pode ter vantagens na saída da crise com o fortalecimento da marca e, sobretudo, com a manutenção dos hábitos digitais da população. Numa pesquisa feita pelo IDC, 52% dos consumidores disseram que devem continuar comprando pela internet mesmo após o fim da pandemia.
Na Natura, líder em vendas diretas, a necessidade imposta pela quarentena criou também um novo hábito entre as revendedoras, que rapidamente aderiram ao mundo digital. O número de consultoras que passou a usar o espaço online para vender saltou de 700 mil para 1 milhão em junho.
“A pandemia trouxe dois efeitos: as consultoras tradicionais, que não usavam os meios eletrônicos, passaram a experimentar essa opção, fizeram treinamentos e começaram a testar as vendas online; e quem já havia aderido a esse mundo digital passou a usar de forma mais intensa”, diz o diretor de tecnologia da empresa Luciano Abrantes, destacando que a Natura deu todo o suporte para esa digitalização.
Segundo ele, o e-commerce teve um salto de 248% no primeiro semestre de 2020 comparado a igual período do ano passado. “A decisão de adesão das consultoras alcançou um patamar que demoraríamos alguns anos para conseguir”, afirma o executivo.
Outros setores, além do varejo, também aceleraram a digitalização durante a pandemia. O programa do grupo segurador SulAmérica começou há cinco anos, como uma forma de oferecer ao cliente uma experiência rápida. Uma das primeiras iniciativas foi a criação do aplicativo da empresa com o serviço Médico em Casa. Com o avanço cada vez maior dos smartphones no País, a companhia – que tem 7 milhões de clientes – criou o Médico na Tela para consultas virtuais.
“Em março, quando a pandemia começou por aqui, vimos que haveria uma forte turbulência e decidimos acelerar a plataforma”, afirma o vice-presidente de Operações, Digital e Inovações da SulAmérica, Marco Antunes. Ele conta que, durante o isolamento social, o número de atendimentos, que ficava na casa de 500 a 600 consultas por mês, saltou para 80 mil. Nesse período, a empresa já fez 400 mil consultas virtuais em mais de 40 especialidades diferentes.
Na avaliação de Antunes, mesmo com o fim da pandemia, esse serviço continuará em alta na empresa. A ideia é ter um modelo híbrido. Na primeira consulta, o paciente iria até o médico e, nas demais, o atendimento seria online. “Vamos reaprender a viver dentro desse novo mundo. Minha percepção é que as coisas não voltam a ser como eram antes.”
Mesma opinião tem VanDyck Silveira, da Trevisan. No meio da pandemia, a empresa – que oferece cursos de graduação, pós, MBA e educação executiva – fechou seus três câmpus e passou a se dedicar apenas às aulas online. Para virar a chave, a escola apostou em duas estratégias. Primeiro, durante a quarentena, escolheu os cinco cursos mais “atraentes” e abriu para os estudantes fazerem de graça.
A decisão atraiu mais de 10 mil alunos – alguns deles terminaram o curso gratuito e emendaram outro curso pago. Outra estratégia foi adotar assessores educacionais autônomos para vender os programas da Trevisan no Brasil e no mundo – um modelo inspirado na rede de profissionais da XP, que vendem os fundos de investimentos da empresa. “Quando voltei ao Brasil, depois de uma temporada fora, imaginava que esse seria o futuro da escola, mas apenas em 2023 ou 2024.” Mas o futuro chegou mais cedo.
*Agenda Capital/Com informações do Estadão