Maria José Rocha Lima*
Um dia desses, recebi do amigo Ricardo Corrêa Coelho um extraordinário artigo/ensaio de Felipe Moura Brasil, cujas reflexões reproduzirei e as repercutirei, parcialmente, com outros meus amigos.
Ricardo Coelho é um cientista social, gestor do MEC e escritor, que morou por um bom tempo na França, tendo conhecido as entranhas daquele país. Desse modo, publicou uma obra intitulada Os Franceses, na qual desvenda os paradoxos do país que constituiu a base da democracia moderna, o caráter, os valores, o modo de vida dos franceses. Em 2008, trabalhamos juntos no Projeto de Cooperação Técnica UNESCO/REMEC – Compromisso São Paulo – analfabetismo zero e ficamos amigos. De lá para cá, ele tem sido um excelente interlocutor nas nossas reflexões sobre o momento histórico que vivemos.
E vejam quão necessárias e atuais são as ideias de Adam Smith, colhidas por Felipe Moura Brasil, para suportarmos essa difícil travessia política dos dias atuais.
O artigo começa assim: “Numa nação conturbada pelas facções sempre há, sem dúvida, uns poucos, comumente muito poucos, que conservam seu discernimento livre de contágio geral”. É uma afirmação do pai do liberalismo, em Teoria dos sentimentos morais, de 1759, que continua atual.
O articulista destaca as afirmações do filósofo e economista britânico: “Os conservadores do discernimento raramente somam mais do que um solitário aqui e ali, sem nenhuma influência, pois sua sinceridade os exclui da confiança dos dois partidos”.
Arremata: “Ademais, a despeito de serem homens sábios, ou precisamente por essa razão, não têm nenhuma relevância para a sociedade. Todas essas pessoas são desprezadas e ridicularizadas, frequentemente detestadas, pelos furiosos zelotes dos dois partidos. Um verdadeiro partidário odeia e despreza a sinceridade e, na verdade, não há vício que o pudesse desqualificar mais para a profissão de partidário que essa única virtude. Portanto, em nenhuma ocasião, o real e reverenciado espectador imparcial está mais distante que em meio à violência e fúria dos partidos em luta”.
E conclui as citações de Smith, com chave de ouro: “ Talvez se possa afirmar que, para esses, tal espectador dificilmente exista em algum lugar do universo. Até ao grande juiz do universo imputam seus próprios preconceitos, e não raro consideram esse Ser divino como alguém animado por todas as próprias paixões vingativas e implacáveis. Dentre todos os corruptores dos sentimentos morais , por conseguinte, a dissensão e o fanatismo são sempre os maiores”.
Qualquer semelhança com os ataques furiosos e desmedidos dos partidários da direita e da esquerda, nos nossos dias, não são meras coincidências.
Esses registros, observações e conclusões foram feitos há 262 anos e poderiam ser ditos hoje, sem nenhuma alteração.
A Reforma Moral é um artigo/ensaio publicado por Felipe Moura Brasil na Revista Crusoé, 14/08/2020.
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira.