Após a morte de três policiais militares em uma abordagem a um falso policial civil, a tensão entre a Polícia Militar e a Polícia Civil aumentou nas ruas de São Paulo. Quem afirma isso é o Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia São Paulo).
Nos últimos dias, desde a madrugada de 8 de agosto, quando os PMs José Valdir de Oliveira Júnior, 37 anos, Celso Ferreira Menezes Júnior, 33, e Victor Rodrigues Pinto da Silva, 29, foram mortos por Cauê Doretto de Assis, 24, que também morreu na ação, policiais militares já abordaram de maneira truculenta mais de 6 policiais civis.
Um dos casos foi o do policial civil Daniel Dambrauskas de Mello, 34, que abriu um boletim de ocorrência contra dois PMs do 24º Batalhão da PM paulista (Vila Madalena) por injúria e abuso de autoridade após abordagem policial em um bairro rico na tarde de 25 de agosto.
Diante dos abusos da PM, o Sindpesp enviou um ofício ao general João Camilo Pires de Campos, secretário de Segurança Pública de São Paulo, pedindo que a Secretaria da Segurança Pública se posicione. No documento, o sindicato aponta que “a falta de padronização” gera “insegurança em abordagens despreparadas, agressivas e desrespeitosas de policiais militares contra policiais civis”.
Em entrevista à Ponte, a delegada Raquel Kobashi Gallinati Lombardi, presidente do Sindpesp, policiais militares não estão respeitando o estado democrático de direito. “Depois dessas mortes, que são muito tristes, percebemos que começou a ter uma tensão, porque a Polícia Militar começou a realizar abordagens de forma descoordenada, não respeitando o protocolo padrão e, muito pior, mesmo depois dos policiais civis se identificarem os abusos continuaram”.
O sentimento que fica, define a presidente do Sindpesp, é de tristeza profunda “em perceber que situações assim podem desencadear e desestruturar ainda mais uma estrutura que já está em sucateamento por falta de investimento do próprio governo em deixar que duas forças de segurança”.
Kobashi lembra que carteiras funcionais falsas estão em todas as profissões, não sendo, então, uma exclusividade da Polícia Civil. “Vemos isso na área da medicina, da educação, em várias áreas, os estelionatários têm uma imaginação infinita”.
Para a delegada, a Polícia Civil tem vivido situações que mostram despreparo de policiais militares e, por isso, o sindicato exige uma postura urgente da SSP. “Identificamos que existe um risco iminente de conflito entre as duas forças que estão constitucionalmente aptas a combater o crime e a criminalidade”.
“Queremos uma resolução e uma normatização conjunta com o objetivo que os policiais civis tenham segurança para exercer suas atribuições. É importante que a gente não tenha uma fomentação de uma desagregação institucional, afinal as duas estão ali para combater a criminalidade”, aponta.
Para tentar impedir esse “iminente conflito”, descrito pelo sindicato dos delegados, o delegado Bruno Lima, que é deputado estadual pelo PSL, protocolou três ofícios na última sexta-feira (26/8): um enviado ao secretário de Segurança Pública, um para o coronel Fernando Alencar Medeiros, comandante geral da Polícia Militar, e outro para Ruy Ferraz, delegado geral de polícia.
Nos documentos, o deputado endossa o que o sindicato dos delegados já havia apontado no ofício enviada à SSP, apontando que é “inadmissível que os integrantes das Forças de Segurança Pública do Estado de São Paulo ajam com violência desproporcional, sem urbanidade e sem respeito uns com os outros”.
Em entrevista à Ponte, o delegado Bruno Lima disse que o sentimento frente às abordagens é de revolta. “Nós entendemos e lamentamos o episódio que ocorreu com a PM, mas os policiais civis estão nas ruas, trabalhando e não são vagabundos para serem tratados como está acontecendo. A nossa luta não é a Policia Civil contra Polícia Militar, nossa luta é contra a criminalidade”.
Para Lima, cabe ao governo estadual “agir para que o policial civil não passe por situações vexatórias”. O deputado conta que está criando uma Projeto de Lei com “o intuito de garantir a segurança das policiais e servidores da segurança pública por meio de uma plataforma que identifique e garanta sigilo ao policial no momento da abordagem”.
Além de “criar regras comuns para essas abordagens, e atualizar a portaria que foi criada em 1992, ou seja, há 28 anos atrás, blindando não apenas os policiais, mas também os cidadãos”
Quem também enviou um ofício ao secretário de Segurança Pública foi a deputada estadual Isa Penna (Psol), que participa da Comissão Parlamentar de Segurança Pública da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). No documento, a deputada aponta que “a relação harmoniosa entre as instituições policiais do Estado é imperativo para a eficiência da segurança pública e tranquilidade da população”.
“E para que essas ocorrências de abordagens abusivas não gerem crise institucional entre as polícias, com prejuízo à sociedade, é urgente que a Secretaria de Segurança Pública tome as medidas necessárias para o fortalecimento do bom relacionamento entre as polícias do Estado”, complementa o documento.
O problema não é a abordagem, aponta tenente-coronel aposentado
Diógenes Lucca, tenente-coronel aposentado da PM, discorda que haja uma crise entre as polícias. “Não vejo porque criar uma norma, a norma existe e é muito bem-feita, é só aquele que opera fazer direitinho, quem recebe a abordagem colaborar que não vamos ter problemas”, explica.
Lucca reconhece que a morte dos “três bons policiais militares” chocou a instituição e que isso “deixou a casca fina, todo mundo com os nervos à flor da pele em relação à abordagem”, mas não vê a necessidade de mudanças na abordagem policial.
“A abordagem policial é uma das primeiras coisas que aprendemos nas academias de polícia. Isso é algo consagrado, o procedimento não precisa ser modificado, porque o procedimento é fruto de uma experiência muito grande, que já foi aperfeiçoado”, explica.
O problema aparece, explica o tenente-coronel, quando o procedimento é mal utilizado. “A partir do momento que o PM decide fazer uma abordagem, todo resto é procedimento: a forma de parar a viatura, quem fala, como os outros e posicionam”.
“Da parte daquele que está sendo abordado é a mesma coisa. Em se tratando de um civil, a pessoa pode estar meio assustada e é natural que a pessoa fique tensa, isso também é vislumbrado na ação. Por isso vamos narrando o que ele precisa fazer”.
Lucca lembra o tema da Rota, batalhão de elite da PM, como exemplo: “cada abordagem ou é um bandido preso ou um amigo para o Estado”. “É uma frase que mostra muita coisa. A gente faz uma abordagem a partir de uma fundada suspeita, não temos bola de cristal para saber quem é aquela pessoa”.
“É tão treinado que não tem como dar erro. Dá erro quando aquele que faz a abordagem não cumpre o procedimento ou aquele que está sendo abordado começa a se alterar de maneira fora da ordem. Se a pessoa vem firme e a outra parte colabora, não tem porque dar problema”, completa.
O que diz a SSP
Em nota, a SSP informou que “o protocolo em desenvolvimentos pelas duas secretarias executivas da pasta será o primeiro entre policiais no Estado”.
“Até então, as instituições contavam com atos normativos esparsos, incluindo a portaria citada. Conforme informado anteriormente, a decisão pelo protocolo se deu em razão do episódio do último dia 8 de agosto, com a morte de três policiais militares”.