Maria José Rocha Lima*
As origens dos fundos para a educação se inscrevem entre as formulações mais relevantes do Manifesto dos Pioneiros da Educação, de 1932, em especial do educador Anísio Teixeira. É no Manifesto, de bandeiras de conteúdo liberal, pautado pela defesa da escola pública, obrigatória, laica e gratuita, que vamos encontrar as ideias mais fecundas para a educação do Brasil contemporâneo.
Em 1930, Menotti Del Pichia, em artigo publicado no Jornal da Manhã, afirmava que um grupo de professores dos mais ilustres do país acabara de elaborar um documento de cardeal importância para a reorganização da nossa nacionalidade, sugerindo uma reconstrução educacional. Ele vaticinava que a publicação do Manifesto dos Pioneiros assinalava “um dia novo no nosso calendário feito de tantas decepções”.
Oitenta e oito anos após, as ideias do Manifesto de 1932 continuam vivas, sendo inquestionável a importância do Fundeb.
O Fundeb reduziu as desigualdades regionais; possibilitou a ampliação da escolaridade da educação infantil ao ensino médio; criou as condições para o estabelecimento de piso salarial para o magistério e protegeu os recursos da educação básica das contingências orçamentárias e dos caprichos dos governantes.
Em pelo menos 4.810 municípios brasileiros, ele corresponde a 50% do que é gasto por aluno-ano. E o mais impactante: em 1.102 dos municípios, a participação do fundo chega a mais de 80% do total.
O fundo proposto em 1932, discutido na Bahia em 1947, é detalhado em 1961. Anísio elaborou, detalhadamente, uma proposta, que serviu de base para a elaboração dos fundos, especialmente o Fundef, criado cinco décadas depois.
Na década de 1980, depois de entrar em contato com as ideias de Anísio Teixeira, passei a discuti-las na Associação dos Professores Licenciados da Bahia – APLB, na CPB, atual CNTE, na qual constituiu – se um grupo de trabalho para o estudo do custo-aluno, mas nesse período passei a enfrentar muitas críticas dos militantes de segmentos mais radicais da esquerda, que consideravam Anísio Teixeira um político liberal e as suas ideias consequentemente proscritas, mas eu nunca desisti. Nesse período, criei o Movimento Anísio Teixeira em Defesa da Escola Pública, a Marcha Anísio Teixeira e o Tribunal Anísio Teixeira, que julgava os crimes contra a educação na Bahia.
No movimento pela Constituinte Estadual, conquistamos mais de um milhão de assinaturas em defesa da escola pública, no capítulo da Constituição Estadual da Bahia, e incluímos o Fundo Estadual da Educação – FEE, inspirado na proposta de Anísio Teixeira.
Quando assumi o mandato de deputada, uma das primeiras ações foi escrever uma proposta de Fundo para a Educação Estadual. Para isto, convidei o Reitor da Universidade Federal da Bahia, Professor Felipe Serpa (in memoriam), um anisiano de peso e defensor dos Fundos para a Educação, para compor o Conselho Político do meu mandato e juntos elaboramos a proposta.
Em 1995, depois de uma articulação nacional do reitor Felipe Serpa com o ministro Paulo Renato, para entender a viabilidade de fundos, resolvemos apresentar o Projeto de Lei Complementar nº 40/95, na Assembleia Legislativa da Bahia. Tal era a nossa convicção sobre a importância de fundos que o reitor buscou influenciar na discussão que viria a se constituir no Fundef. Entre 1996 a 1999, fiz mestrado na Universidade Federal da Bahia e dissertei sobre As repercussões do Fundef na Valorização do Magistério Baiano- um olhar classista.
Em 1999, abandonei a vida parlamentar e fui convidada para assumir na Câmara dos Deputados a Assessoria Técnica do Partido dos Trabalhadores para a área da Educação, quando elaborei a PEC 112/1999, que deu origem ao Fundeb. Para assegurá-lo, no governo Lula, contei com uma aliada de primeira ordem, a deputada Iara Bernardi-PT/SP, que me indicou como relatora da Equipe de Transição do Governo FHC para o Governo Lula. Desse modo, asseguramos o Fundeb, como Recomendação para os 100 primeiros dias de governo, e ainda contamos com a participação do especialista em Políticas para a Primeira Infância Vital Didonet, por mim convidado.
A deputada Iara Bernardi tornou-se relatora da Proposta de Emenda Constitucional nº 53/2006, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que tinha vigência até dezembro de 2020. O Fundeb foi criado em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério.
Preocupados com o fim do Fundeb, os parlamentares apresentaram duas propostas de Emenda à Constituição – a PEC 15/2015, da deputada Raquel Muniz, e a PEC 24/2017, da senadora Lídice da Mata (PSB/BA), da qual fui assessora em 2017 e elaborei a PEC/ 024 – 2017, contando com a Consultoria Legislativa do Senado e o apoio de Iara Bernardi, ex- relatora do Fundeb na Câmara dos Deputados.
A PEC/ 024, de 2017, tornava permanente o Fundeb, incluindo-o no corpo da Constituição Federal; elevava os investimentos em educação por parte da União de 10% para no mínimo 50%; acrescentava aos recursos do Fundeb um percentual dos recursos provenientes da participação no resultado ou na compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural; garantia a implantação do custo aluno-qualidade; elevava o piso salarial para o magistério da educação básica e garantia a implantação das metas do Plano Nacional de 3ducação (PNE); determinava, ainda, que o salário dos professores fosse complementado pela União, quando os estados e municípios não pudessem arcar.
A deputada Dorinha, do DEM/TO, compreendeu que a PEC 024 estava em plena sintonia com as metas e estratégias inscritas no Plano Nacional da Educação e o seu conteúdo aprimoraria a PEC/015/2015.
A relatora da proposta, senadora Fátima Bezerra, deu parecer favorável, incluiu dispositivos e pautou o Fundeb, na primeira reunião do Fórum dos Governadores, em 2019. A hoje governadora do Rio Grande do Norte destaca que a PEC/024 atendia às metas e estratégias inscritas no Plano Nacional da Educação (PNE), que prevê, por exemplo, a ampliação da oferta da educação infantil em creches e pré-escolas, a valorização dos profissionais do magistério público da educação básica, a expansão da oferta da educação em tempo integral e o investimento de 10% do PIB em educação. Desse modo, surgiram as PECs 33/19 e 65/19, que teve como relator o senador Flávio Arns (Rede-PR).
O Fundeb cumpre o desiderato do grande educador e estadista da Educação Anísio Teixeira, que destacava que “o ideal seria que o brasileiro, independente do estado ou município em que vivesse, tivesse educação substancialmente equivalente a de todos os outros, com professores igualmente competentes e igualmente pagos e as demais despesas e condições de escola apreciavelmente idênticas”. O grande educador concluía o documento afirmando que daquele modo “o sistema parecia corresponder às verdadeiras condições federativas do Estado Brasileiro e deveria proporcionar um clima de formação do espírito profissional na condução do maior serviço público de uma democracia: a educação”.
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira.