Donald Trump ainda era chamado de bilionário, magnata e apresentador de televisão quando anunciou em junho de 2015 a pré-candidatura presidencial pelo Partido Republicano.
O que parecia mais uma excentricidade do megaempresário se converteu, no ano seguinte, no predicado pelo qual os americanos se acostumaram a chamá-lo: presidente dos Estados Unidos. E, agora, candidato à reeleição.
O Partido Republicano oficializa nesta semana a candidatura de Trump. Por causa da pandemia do novo coronavírus — um dos calcanhares de Aquiles na campanha do presidente —, ele deverá fazer na Casa Branca o discurso para aceitar a nomeação. O evento está previsto para quinta-feira (27).
Se vencer o democrata Joe Biden nas urnas em novembro, Trump dará continuidade a uma tendência: todos os presidentes eleitos dos EUA desde 1992 se reelegeram — caso dos democratas Bill Clinton (1996) e Barack Obama (2012) e do republicano George W. Bush (2004).
Caso perca, Trump repetirá o fracasso de Bush pai, também republicano e que perdeu a disputa pela reeleição em 1992 para Clinton. Se isso acontecer, o magnata ganhará outro predicado: o de ex-presidente dos EUA.
Veja abaixo a trajetória de Donald Trump como candidato a presidente dos EUA
Da Trump Tower à Casa Branca
A notícia da pré-candidatura de Donald Trump à presidência dos EUA em 2015 foi recebida pela classe política e pela imprensa americana como uma excentricidade do magnata, em busca de voltar aos holofotes após deixar de apresentar o reality show “The Apprentice”.
Não era, porém, a primeira vez que o megaempresário do ramo imobiliário se envolvia com a política americana. Trump se mostrou na maior parte da vida pública um oposicionista convicto, e mudou de partido com frequência.
Filiado ao Partido Republicano em 1987, Trump iniciou a vida política alinhado com os presidentes Ronald Reagan e George H. Bush. Quando o democrata Bill Clinton venceu, em 1992, permaneceu na oposição. Porém, em 2001, primeiro ano do republicano George W. Bush na Casa Branca, passou a se declarar democrata. Finalmente, em 2009, na estreia de Barack Obama, Trump mudou de lado mais uma vez.
O empresário inclusive se pré-candidatou à presidência em 2000 pelo pequeno Partido Reformista, mas desistiu antes de entrar em campanha. Ele também voltou a cogitar entrar na corrida presidencial ainda de 2012 para enfrentar Barack Obama, mas também desistiu.
Finalmente, em 2015, Trump convocou coletiva de imprensa para anunciar a pré-candidatura pelo Partido Republicano — que, até então, tinha em Jeb Bush, filho e irmão de ex-presidentes, o favorito na disputa pela indicação.
De saída, o bilionário anunciou que pretendia construir um muro na fronteira com o México e fez duros discursos contra a imigração ilegal e a perda de empregos dos EUA. Esses temas Trump abordou diversas vezes enquanto viajava o país para convencer os republicanos a escolher um candidato “fora do establishment” para disputar a presidência, sob o slogan “Make America Great Again” — “Tornar a América grande novamente”, semelhante ao utilizado por Ronald Reagan em 1980.
Contrariando expectativas do próprio Partido Republicano, Trump foi conquistando estados e derrubou nomes consolidados da agremiação como Rand Paul, Jeb Bush, John Kasich e Ted Cruz. Em maio de 2016, o magnata corria sozinho na disputa pela nomeação, que se confirmou no fim de julho.
Em campanha capitaneada por estrategistas como Paul Manafort e Steve Bannon — ambos acabariam detidos durante o mandato Trump por acusações de fraude —, o republicano manteve discurso duro contra a imigração ilegal e a perda de postos de trabalho para outros países, além da promessa de revogar o Obamacare, lei que obrigava todo americano a manter um plano de saúde.
Trump também fez duras acusações à candidata democrata Hillary Clinton — e, inclusive, viu apoiadores pedirem a prisão da adversária aos gritos de “tranquem-na!” durante os atos de campanha em 2016.
As estratégias deram certo em estados chave como Michigan, Flórida, Pensilvânia e Wisconsin: na madrugada de 9 de novembro de 2016, Hillary Clinton telefonou para Donald Trump e reconheceu a vitória do republicano na corrida pela Casa Branca.
Presidente e candidato
Trump nunca escondeu que tentaria a reeleição em 2020. Antes mesmo de tomar posse, em janeiro de 2017, o republicano revelou ao jornal “The Washington Post” que já tinha um slogan pronto para a nova corrida presidencial: “Keep America Great” — “Mantenha a América grande”.
O slogan enfim apareceu durante evento em junho de 2019, quando Trump lançou oficialmente a campanha pela reeleição. Nos EUA, nada proíbe que um candidato inicie a corrida com antecedência.
Nesse meio tempo, o presidente correu para mostrar que estava cumprindo as promessas de campanha. Logo no primeiro mês de mandato, emitiu ordem para a construção do muro na fronteira com o México. No mesmo janeiro de 2017, proibiu cidadãos de sete países de entrar nos EUA.
Depois, deixou o Acordo de Paris, avançou nos ataques ao grupo terrorista Estado Islâmico, iniciou a retirada de militares no Oriente Médio, tirou os EUA do acordo com o Irã e tomou medidas que endureciam as regras para imigrantes ilegais.
Embora essas e outras ações gerassem protestos, Trump teve como trunfo poder dizer que essas promessas de campanha foram ao menos parcialmente cumpridas — quando não, o presidente acusou os democratas de travá-las no Congresso.
Dados positivos da economia e do emprego também ajudaram Trump, principalmente quando o presidente atribuía as melhoras nos números às medidas alfandegárias tomadas. Para o republicano, a imposição de tarifas ajudava os postos de trabalho a permanecerem nos Estados Unidos, tema essencial para eleitores do cinturão industrial.
Nem mesmo a prisão de aliados, suspeitas de conluio com a Rússia nas eleições de 2016, acusações de assédio e o processo de impeachment aberto e aprovado na Câmara atrapalharam a aprovação de Trump. As dificuldades em encerrar os atritos com a Coreia do Norte e em pôr fim ao regime chavista na Venezuela, após vitórias iniciais, também não.
Embora as pesquisas nunca o mostrassem como uma unanimidade nacional, os números tampouco o colocavam em patamares baixos demais para que o republicano sonhasse com a reeleição.
Um 2020 difícil
O último ano deste mandato não poderia começar melhor para Trump. Logo nos primeiros dias, uma ação militar dos EUA matou o general iraniano Qassem Souleimani — mais uma vez, apesar de ser um tema que dividia o país, a operação agradava o eleitorado republicano e mesmo outros americanos não automaticamente alinhados com o presidente pelas acusações que recaíam sobre o militar sobre supostamente ajudar grupos terroristas.
Trump ainda começou o ano sobrevivendo ao processo de impeachment no Senado, resultado que era previsto e alimentou o discurso contra os parlamentares democratas, principalmente na Câmara. Aliás, a oposição rachada tinha dificuldades em encontrar um nome para concorrer com o republicano.
Veio, então, o último discurso sobre o Estado da União, evento em fevereiro em que o presidente tradicionalmente fala ao Congresso sobre as ações e desafios do governo. Animado com os bons números, Trump celebrou os dados de emprego e relembrou as promessas de campanha.
Em fevereiro, porém, os Estados Unidos já tinham os primeiros casos do novo coronavírus. Os poucos registros confirmados faziam o assunto parecer distante dos americanos — a epidemia ainda estava forte na China, e o republicano chegou a dizer num primeiro momento que ajudaria o presidente chinês, Xi Jinping, a combater a doença.
Os casos de Covid-19, porém, explodiram nos EUA nas semanas seguintes, principalmente em Nova York. Depois, a doença se espalhou rapidamente por todo o país, hoje, o mais atingido pela Covid-19 em números absolutos.
Trump começou a crise demonstrando preocupação e tomando medidas como restrições de viagens. Entretanto, adotou postura errática sobre isolamento social e uso de máscaras e confrontou abertamente o principal epidemiologista da Casa Branca, Anthony Fauci. Ele ainda afirmou que os EUA se retirariam da Organização Mundial da Saúde (OMS) e endureceu o tom com a China, chamando o novo coronavírus de “vírus chinês”.
Além disso, a morte do ex-segurança negro George Floyd gerou protestos por todo o país contra o racismo e a violência policial. Embora Trump tenha demonstrado solidariedade à família de Floyd depois que as manifestações geraram volume, os atos numerosos miravam na política de segurança do governo.
Tentando capitalizar os protestos para a campanha, Trump focou no discurso de lei e ordem, agradável ao eleitorado republicano, e ordenou o envio de soldados da Guarda Nacional a estados com mais cenas de violência. Ele ainda anunciou uma reforma no sistema policial, considerada tímida pelos democratas.
Nesse meio tempo, o antes fraturado Partido Democrata se uniu em torno de Joe Biden, finalmente nomeado candidato da oposição à presidência. O ex-vice-presidente chegou a ser desafiado de perto pelo ex-senador Bernie Sanders, mas o avanço da pandemia e a queda na popularidade de Trump levaram os democratas a encontrarem algum consenso mais rapidamente.
É nesse cenário de crise que Donald Trump oficializará sua candidatura à reeleição pelo Partido Republicano. Como em 2016, o magnata tentará mostrar em novembro que é capaz de conquistar o maior número de estados mesmo em um cenário adverso para se manter em um dos cargos mais decisivos para o mundo.