Os democratas nomearam formalmente Joe Biden o candidato à presidência dos Estados Unidos, na noite desta terça-feira. Em uma contagem de votos protocolar e virtual, em razão da pandemia de coronavírus, representantes de todos os Estados, territórios americanos e do Distrito de Columbia fizeram aparições na segunda noite da convenção democrata para confirmar Biden como candidato que irá disputar a Casa Branca contra Donald Trump em 3 de novembro. A noite foi marcada pela apresentação da história pessoal de Biden e pelo abismo geracional dentro do partido.
Em uma transmissão ao vivo, Joe Biden apareceu ao lado da esposa, Jill Biden – responsável por um dos principais momentos da noite, em uma escola em Delaware. Além dos discursos de espectros variados do partido, uma receita usada também no primeiro dia de convenção, Biden teve sua história pessoal apresentada. A missão foi dada a Jill, que falou da trajetória da família e disse que seu marido pode “curar uma nação em sofrimento”.
Biden perdeu a primeira esposa e uma filha ainda bebê quando a família sofreu um acidente de carro. Dois filhos, Beau e Hunter, ainda crianças, sobreviveram. Ele casou-se com Jill, com quem teve uma filha. Em 2015, a família chorou a morte de Beau, vítima de um tumor no cérebro. A trajetória de perdas que marca a vida do democrata é apresentada como um fator que aproxima Biden da dor dos americanos que vivem atualmente o luto. O país contabiliza mais de 170 mil mortos por covid-19, o maior número do mundo.
As superações de Biden, por sua vez, são mostradas como um sinal de que ele ajudará os EUA a se recuperarem. “Quatro dias depois do funeral de Beau, vi Joe fazer a barba e vestir o terno. Eu o vi respirar, colocar os ombros para trás e sair para um mundo sem nosso filho. Ele voltou o trabalho. É assim que ele é”, disse Jill. “Às vezes não sei como ele fez isso. Como colocou um pé em frente ao outro e continuou andando. Mas sempre entendi por que ele fez isso. Ele fez isso por vocês”, disse.
Depoimentos de amigos e netos, fotos antigas e histórias do casal ajudaram a apresentar um Biden que poderia ser o vizinho de qualquer americano comum. A ideia de que Joe e Jill Biden são pessoas normais é também um contraste na comparação com Trump, um bilionário, e Melania, quem aparece pouco.
O discurso de Jill foi transmitido de uma sala de aula do colégio Brandywine, em Wilmington (Delaware), onde ela dava aulas de inglês. “Os fardos que carregamos são pesados e precisamos de alguém com ombros fortes”, disse ela. “Eu sei que se confiarmos esta nação a Joe, ele fará por sua família o que fez pela nossa: nos unir e nos tornar inteiros.”
A noite também confrontou o passado com o futuro do partido democrata. Um dos principais nomes de convenções anteriores, o ex-presidente Bill Clinton teve menos de cinco minutos para discursar, fora do horário nobre do evento. Em 2012, Clinton teve mais de 45 minutos para defender a reeleição de Barack Obama. Em 2016, ele assumiu o protagonismo da campanha de Hillary.
Mas a renovação do partido tem deixado Clinton para trás e não apenas por uma questão geracional – o próprio Biden e o senador Bernie Sanders são mais velhos que o ex-presidente. Biden reconhece a mudança no perfil da legenda e se declara um “candidato de transição”, que, se eleito, passará o bastão para outro candidato em 2024. Bill Clinton puxou para o centro um partido que tem se movido para a esquerda e carrega fantasmas de um histórico de acusações de assédio sexual que não são tolerados pela ala feminina e progressista do partido.
Em um discurso gravado, Clinton foi uma dura voz contra Trump. Ele disse que a Casa Branca deveria ser um centro de comando mas tornou-se um centro de tempestades. “Existe apenas caos”, afirmou, ao definir o atual presidente como alguém que “passa horas por dia assistindo TV” e atacando pessoas nas redes sociais, em vez de lidar com a crise. “Vocês sabem o que Donald Trump fará com mais quatro anos: culpar, intimidar e depreciar”, disse.
A primeira hora da noite foi morna, com discursos curtos e pulverizados. Lideranças tradicionais como Clinton e o ex-presidente Jimmy Carter – que teve um discurso em voz, sem vídeo, transmitido – dividiram espaço com novos nomes.
Batizada como “liderança importa”, a segunda noite democrata pretendia mostrar o contraste entre Biden e Trump. A questão é que as lideranças tradicionais do partido escaladas estão distantes da imagem que os democratas tentam passar neste ano, de comprometimento com a diversidade. Clinton, o senador Chuck Schumer e o ex-secretário de Estado, John Kerry, estão todos na faixa dos 70 anos.
A cobrança crescente do eleitorado por maior participação de mulheres, negros, latinos e jovens nos quadros partidários exigiu um novo arranjo. Em um esforço para mostrar o compromisso do partido com diversidade e renovação, 17 “novas lideranças” receberam o título de discurso principal, comumente dado às estrelas da legenda. Uma das escolhidas foi Stacey Abrams, em 2018 perdeu por pouco a eleição para o governo da Geórgia, quando teria se tornado a primeira mulher negra a comandar o Estado.
O grupo, no entanto, foi basicamente composto por democratas moderados que apoiaram Biden antes de sua campanha ganhar força. Os jovens da ala progressista não entraram na lista das 17 lideranças.
Considerada a verdadeira estrela em ascensão do partido democrata, Alexandria Ocasio-Cortez, fez uma aparição de pouco mais de um minuto – um tempo ínfimo para uma política eloquente e com tanta repercussão nas redes sociais. A limitação do tempo dado a AOC foi lida como uma tentativa do partido de não dar munição à retórica de Trump de que Biden irá se alinhar à “esquerda radical”.
Deputada em primeiro mandato, AOC fez campanha por Bernie Sanders. Ela recebeu a missão de fazer a chamada do nome de Sanders antes da contagem de votos dos delegados do partido e, durante seu minuto de participação, não mencionou Biden. Nas redes sociais, ela explicou que seguiu “as regras da convenção”, que “exigem chamada e nomeações” para candidatos com quantidade expressiva de delegados. “Fui convidada para falar pelo senador Sanders”, escreveu a deputada no Twitter, onde também declarou apoio a Biden. “Vamos ganhar em novembro”, disse.
O evento ganhou ritmo com a chamada dos representantes dos Estados e territórios americanos para anunciar os votos recebidos por Biden e Sanders — que abriu mão da campanha pela nomeação em abril, para evitar dividir o partido, como aconteceu em 2016. Cada discurso foi gravado no próprio Estado do representante que fez o anúncio dos votos, com direito a paisagem, vestimenta e até algumas peculiaridades típicas locais. A sessão formou um mosaico do país a despeito das limitações de uma convenção virtual.