“Mesmo a gente usando tudo o que sabe, eles morrem muito rápido e na nossa frente. Muitas vezes você não consegue ter tempo para, ao menos, tentar manter o organismo vivo. Isso foi muito frustrante para mim.”
O desabafo é de Vívian Lima Leoneza, médica intensivista e chefe da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para Covid-19 da Santa Casa de Sorocaba (SP).
Com 23 anos de experiência em UTIs, a médica contou como a pandemia de coronavírus têm afetado não só a rotina, mas também a mente de quem trabalha na área da saúde. O primeiro choque chegou 10 dias depois que ela aceitou assumir a direção de uma UTI Covid.
“Não demorou e eu tive o primeiro baque. Só conseguia pensar: ‘meu Deus, não estou dando conta’. A demanda era muito grande e o fim de um plantão parecia mais o fim de dois seguidos”, conta.
Vívian explicou que, em um cenário fora da pandemia, cada médico é designado para, no máximo, 10 pacientes por plantão.
Destes, uma média de quatro ou cinco possuem um estado de saúde considerado grave ou muito grave e cerca de 50% fazem uso de ventilação mecânica – ou seja, estão ligados a um respirador.
“No início de cada plantão, fazemos uma avaliação de cerca de 20 minutos para cada um desses pacientes. É claro que surgem intervenções, pacientes que dão entrada e outras emergências. Mas, normalmente, é assim que funciona”, explica.
Na pandemia, esse cenário mudou drasticamente. Segundo ela, de 10 pacientes designados por médico, 10 possuem um estado de saúde considerado grave ou muito grave e cerca de nove estão ligados a um respirador.
Sobrecarga
A médica contou que os plantões, que costumavam ser de 12 a até, no máximo, 24 horas seguidas, se estenderam. “Cheguei a trabalhar por 48 horas direto e sem descanso”, diz.
“É uma rotina pesada. Temos muitos pacientes graves e temos muitas situações de emergência nas quais você não tem tempo nem para pensar no que fazer, precisa agir rápido. Do contrário, o paciente morre”, explica a médica.
Outro fator que também contribui para a sobrecarga é a falta de profissionais para atuar nas UTIs Covid. Vívian explica que vários colegas já precisaram ser afastados porque começaram a apresentar sintomas da doença.
“A gente fica exposto o dia todo. Então, tenho colegas que precisaram sair. Com isso, quem fica precisa assumir os pacientes e isso aumenta ainda mais a carga. Isso suga a gente”, conta.
Com a alta demanda, muitos médicos que não são intensivistas se ofereceram para ajudar. “Eu fico pensando: se para mim que tenho experiência com esse tipo de ambiente já é difícil, imagina para esses médicos que nunca lidaram com esse tipo de coisa e estão ajudando agora”, diz.
‘Todos fazem o melhor que podem’
Mesmo com a rotina estressante e com a pressão vinda de todos os lados, médicos e enfermeiros continuam buscando maneiras de encontrar conforto em meio ao caos.
“Muitas vezes me peguei pensando: ‘será que, se eu estivesse em uma condição ideal, eu conseguiria melhorar a situação?’. Esse pensamento de não estar fazendo o suficiente é o que mais nos consome”, explica.
Depois de quatro meses vivendo dias corridos e noites em claro, Vívian conta que conseguiu encontrar uma solução para poder continuar motivada.
“Todo mundo aqui está fazendo o melhor que pode. Estamos dando tudo o que temos. Muitos, inclusive, se voluntariaram para combater o desconhecido, literalmente. Então, procuro pensar nisso. Faço o que posso dentro das condições em que estou”, finaliza.