A ativista pela educação e mais jovem vencedora do Nobel da Paz, Malala Yousafzai, afirmou neste sábado (18) que a pandemia do novo coronavírus escancarou a importância da ciência e mostrou que líderes mulheres podem governar melhor em momentos de crise.
“Ao ver como as nações responderam, temos uma ótima imagem de quais foram bem sucedidas e quais não”, afirmou a paquistanesa, por videoconferência de sua casa, em Birmingham, na Inglaterra, durante palestra online promovida pela plataforma de investimentos XP.
Ao longo da semana o evento da empresa brasileira recebeu também Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico, Paulo Guedes, ministro da Economia, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados.
“A educação e os cientistas dizendo o que devemos fazer mostra como temos que levar a educação e a ciência mais a sério e como devemos nos importar com os fatos em um contexto de crescimento das fake news, que vêm para confundir e desinformar as pessoas”, acrescentou a ativista.
Em 2014, Malala tornou-se a mais jovem ganhadora do Nobel da Paz ao vencer o prêmio aos 17 anos. Ela criou um fundo para ajudar iniciativas de acesso e suporte à educação para mulheres ao redor do mundo.
Durante a conversa, ressaltou o papel feminino no controle da pandemia e afirmou que a resposta em países como Alemanha e Nova Zelândia, administrados por, respectivamente, Angela Merkel e Jacinda Ardern, mostram que mulheres chefes de Estado podem liderar melhor em situações de crise.
Para Malala, a pandemia explicitou ainda mais as desigualdades pelo mundo, mas também pode servir como oportunidade para as sociedades refletirem sobre suas prioridades.
“Devemos aumentar nossos gastos em saude e educação e parar de gastar com coisas desnecessárias, como armas e equipamentos de guerra. É uma oportunidade para mudarmos nosso foco para o que realmente importa.”
A ativista começou a militar aos 11 anos. Filha de um diretor de escola e de uma mulher analfabeta, criou um blog no site da BBC em urdu, idioma oficial do Paquistão.
Com o pseudônimo de Gul Makai, descrevia o clima de medo no vale do Swat, onde vivia. Quando ficou conhecida, o Taleban decidiu matá-la, acusando-a de ser um veículo para a “propaganda ocidental”.
Em 2012, aos 15 anos, foi alvo de um atentado do grupo fundamentalista islâmico. Um taleban invadiu um ônibus e atirou em sua cabeça e costas, ferindo ainda duas colegas.
Após passar por diversas cirurgias no Paquistão e na Inglaterra, começou a morar no país europeu com a família. Ela só retornaria a sua terra natal para uma curta visita seis anos depois, em 2018.
“Eles acharam que as balas nos silenciariam, mas falharam. E, do silêncio, surgiram milhares de vozes”, discursou na ONU poucos meses depois de deixar o hospital e pouco antes de receber o Nobel da Paz.
Durante a conversa no evento brasileiro, Malala ressaltou diversas vezes o poder das palavras e de defender aquilo que acredita.
“Quando fui atacada, aos 15 anos de idade, percebi que minha voz era mais poderosa do que eu imaginava. Ela assustava terroristas, assustava pessoas com armas e ferramentas potentes nas mãos. Mas a minha voz era tão poderosa que os assutava”, lembrou.
“A voz pode mudar a comunidade e conscientizar as pessoas sobre muitos temas. Meio ambiente, racismo, desigualdade, podemos mudar tudo isso com nossa voz, para construir um mundo melhor.”
A paquistanesa também aproveitou para contar histórias inspiradoras de outras muheres pelo mundo e enviou um apoio às indígenas, ressaltando o direito à educação específica dos povos tradicionais.
“É ótimo que os povos indígenas tenham consciência do seu direito à educação e que saibam que não precisam deixar sua história para isso”, afirmou.
“Há partes da educação que podem ter uma abordagem mais global, como tecnologia, formação de pensamento crítico e princípio de igualdade. Para isso não há fronteira. Mas é importante que as crianças saibam sua história local, seu contexto, de onde vêm.”
A trajetória de Malala já foi tema de livros e documentários, entre os quais “Malala e Seu Lápis Mágico”, uma autobiografia para crianças.
No mês passado, ela se graduou pela prestigiosa Universidade Oxford, no Reino Unido, uma das mais importantes instituições educacionais do mundo.
Entre suas principais inspirações, Malala destaca Martin Luther King, Nelson Mandela e Benazir Bhutto, a primeira mulher a chegar ao cargo de primeiro-ministra no Paquistão e morta em 2007 em um atentado executado por um homem-bomba.
Além das personalidades mundiais, a ativista destaca o papel de sua família, especialmente de seu pai, o educador Ziauddin Yousafzai, com quem fundou o Malala Fund.
“Havia muitas outras meninas que também estavam levantando a voz comigo, mas, logo que fizeram 13, 14 anos, muitas delas foram paradas pelos pais”, lembra a paquistanesa.
“A única diferença entre elas e eu foi meu pai, que não me parou. E nisso o papel dos homens é muito importante. Eles precisam estar ao lado das mulheres, ajudando-as a ir em frente.”
Após a declaração, Malala saiu do enquadramento do vídeo e foi chamar o pai para participar da conversa.
Yousafzai, que era o único homem em uma família com cinco irmãs que não puderam ir à escola, contou sobre a resistência que enfrentou ao oferecer liberdades incomuns para a filha na região onde vivia no Paquistão. Para ele, os homens têm papel fundamental para acabar com o patriarcado.
“Quando falamos de patriarcado, falamos de um sistema em que o pai tem um papel crucial, em que é um pilar central, e o futuro das meninas nessa sociedade depende da abertura do pai em relação à criação, à educação, ao trabalho. Mas se eles [os pais] mudam os seus papéis, o patriarcado colapsa”, afirma ele.
“Não me pergunte o que fiz, mas o que não fiz. Não cortem as asas de suas filhas. Deixem-as voar.”