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A pobreza extrema no Brasil deverá dobrar em 2020 como resultado da pandemia e ameaçar a democracia. O alerta faz parte de um novo informe produzido pela ONU e que revela que o tombo no PIB (Produto Interno Bruto) latino-americano será de 9,1%, o maior em um século.
De acordo com a avaliação da entidade publicada nesta quinta-feira, o Brasil deve terminar 2020 com 9,5% na condição de pobreza extrema. Essa taxa era de 5% em 2019. A extrema pobreza é considerada quando um indivíduo ganha menos de US$ 67 (R$ 353) por mês.
A pobreza também aumentará. O segmento de brasileiros que ganham menos de US$ 140 (R$ 738) por mês passará de quase 20% em 2019 para 26,5% em 2020.
Para a ONU, a América Latina e o Caribe tornaram-se um dos epicentros da pandemia e a crise é “exacerbada por limitada proteção social, sistemas de saúde fragmentados e profundas desigualdades”.
“A covid-19 resultará na pior recessão registrada na região em um século, provocando uma contração de 9,1% no PIB regional em 2020. Isso pode aumentar o número de pobres em 45 milhões de pessoas – para um total de 230 milhões – e o número de pessoas extremamente pobres em 28 milhões, para um total de 96 milhões”, alerta.
Na prática, a taxa de pobres na região sofrerá um salto de sete pontos percentuais, atingindo 37,2% do continente. Já a extrema pobreza passa de 11% para 15,5%. A taxa de desemprego deve subir de 8,1% em 2019 para 13.5% em 2020 na região.
Para a ONU, o risco é também para o sistema político. “Numa região que experimentou um número significativo de crises políticas e protestos em 2019, o aumento das desigualdades, da exclusão e da discriminação no contexto da covid-19 afeta adversamente o desfrute dos direitos humanos e dos avanços democráticos, podendo mesmo provocar distúrbios sociais se não for abordado”, indicou.
A entidade estima que, já antes da pandemia, o modelo de desenvolvimento da região enfrentava “graves limitações estruturais”. Isso inclui elevada desigualdade, restrição do balanço de pagamentos e exportações concentradas em setores de baixa tecnologia. O resultado era um crescimento baixo, alta informalidade e pobreza, vulnerabilidade às mudanças climáticas e desastres naturais e perda de biodiversidade.
“Os indicadores sociais negativos estavam e continuam sendo agravados por taxas extremamente altas de homicídio e violência de gênero, inclusive o feminicídio”, aponta.
Na avaliação da ONU, qualquer projeto de recuperação deve se aproveitar do momento para transformar o modelo de desenvolvimento da região. Além disso, o novo modelo precisa fortalecer a democracia, salvaguardar os direitos humanos e manter a paz.
Desigualdade é insustentável
O levantamento também aponta que, além da pandemia, um outro fator na região precisa ser lidado de forma urgente: a injustiça social. “Os custos da desigualdade na região tornaram-se insustentáveis”, alerta a entidade.
“A resposta requer um reequilíbrio do papel do Estado, do mercado e da sociedade civil na formulação de políticas, ênfase na transparência, maior prestação de contas e inclusividade para apoiar a democracia, fortalecimento do Estado de Direito e proteção e promoção dos direitos humanos”, defende.
Para a ONU, “as causas básicas da desigualdade, instabilidade política e deslocamento precisam ser abordadas” e pactos sociais para obter legitimidade.
“A igualdade é a chave para o controle bem-sucedido da pandemia e para uma recuperação econômica sustentável na América Latina e no Caribe”, diz. “Na América Latina e no Caribe, reconstruir melhor implica reconstruir com igualdade”, completa.
Recomendação
Como uma espécie de receituário, a entidade preparou uma lista de medidas que devem ser tomadas no curto prazo:
1. Considerar a exploração de mecanismos para proporcionar às pessoas em situação de pobreza uma renda básica emergencial. Isso poderia incluir a possibilidade de proporcionar o equivalente a uma linha de pobreza nacional. A fim de abordar a insegurança alimentar e a desnutrição, essas medidas poderiam ser complementadas, se necessário, por doações de combate à fome para as pessoas que vivem em pobreza extrema.
2. O pleno acesso a assistência econômica e humanitária e serviços básicos deve ser assegurado a todos que deles necessitem, especialmente trabalhadores informais, mulheres, jovens e pessoas nas situações mais vulneráveis: crianças, idosos, afrodescendentes, povos indígenas, pessoas com deficiência, pessoas LGBTI, pessoas deslocadas internamente, migrantes, refugiados e minorias, bem como mulheres que experimentaram violência conjugal, violência sexual ou outras formas de violência de gênero.
3. Considerar a implementação de medidas para preservar habilidades e capacidades gerenciais e produtivas para que a produção possa responder quando a demanda se recuperar, inclusive subsídios emergenciais para micro, pequenas e médias empresas, especialmente para cobrir os custos de mão de obra. As políticas devem facilitar o acesso igualitário a tecnologias da informação e comunicação, ferramentas e plataformas. No caso de empresas maiores, o apoio financeiro deve ser oferecido com condicionalidades, como a proteção dos empregos, investimento em pesquisa e desenvolvimento, investimentos verdes e abstenção da distribuição de dividendos aos acionistas.
4. A resposta multilateral internacional imediata deve ser estendida aos países de renda média. Esse grupo, que inclui a maioria dos países da América Latina e do Caribe, enfrenta limitações estruturais, mas tem sido em grande parte excluído da cooperação na forma de resposta de liquidez emergencial, financiamento, isenções comerciais, adiamento do pagamento do serviço da dívida e assistência humanitária.