Maria José Rocha Lima*
Ontem, 7 de julho, o filósofo francês Edgar Morin completou 98 anos. Em entrevista concedida ao Jornalista Francis Lecompte, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França – CNRS-, sobre a pandemia da coronavírus e o isolamento social, entre outras coisas destacou que “o momento em que vivemos tende a convencer cidadãos e pesquisadores de que as teorias científicas não são absolutas, como os dogmas das religiões, mas biodegradáveis. A ciência é uma realidade humana que, como a democracia, se baseia em debates de ideias, embora seus métodos de verificação sejam mais rigorosos”.
Durante a sua entrevista, ele diz que “o cenário nos impõe desconstruções das crenças em verdades absolutas na ciência, da obstinação por garantias e certezas, e da pesquisa sem controvérsias. Apesar disso, as principais teorias aceitas tendem a se tornar dogmatizadas, e os grandes inovadores sempre lutaram para que suas descobertas fossem reconhecidas”.
O filósofo acredita que fomos obrigados a encarar as incertezas, mas que podemos abraçar a certeza dos fatos que acompanhamos no dia a dia: “O despertar da solidariedade e a oportunidade de reforçar a consciência das verdades humanas que fazem a qualidade de vida, como o amor, a amizade, a comunhão e a solidariedade”.
O filósofo francês mostra-se muito impressionado com a crença de grande parte do público, que “via a ciência como o repertório de verdades absolutas, afirmações irrefutáveis”. E exemplificou que todos ficaram tranquilos ao ver o presidente francês cercado por um conselho científico. “Mas o que aconteceu?“, pergunta Morin. “Rapidamente, percebemos que esses cientistas defendiam pontos de vista muito diferentes e, às vezes, contraditórios, seja nas medidas a serem adotadas, nos possíveis novos remédios para responder à emergência, na validade desse ou daquele medicamento, na duração dos ensaios clínicos a serem realizados Todas essas controvérsias introduziam dúvidas nas mentes dos cidadãos”.
O jornalista da CNRS questiona: “Você quer dizer que o público pode perder a confiança na ciência?”
E o filósofo, mais uma vez, responde: “Não se ele entender que as ciências vivem e progridem através de controvérsias. Os debates em torno da cloroquina, por exemplo, levantaram a questão da alternativa entre urgência e cautela”.
O autor lembra que o mundo científico já conhecia fortes controvérsias na época do surgimento da AIDS, nos anos 80. No entanto, o que nos mostrou os filósofos das ciências é precisamente que as controvérsias são parte inerente da pesquisa.
Ele lamenta que poucos cientistas leram Karl Popper, que estabeleceu que uma teoria só fosse científica se refutável; Gastón Bachelard, que colocou o problema da complexidade do conhecimento; ou Thomas Kuhn, que mostrou como a história da ciência é um processo descontínuo. Muitos cientistas ignoram a contribuição desses grandes epistemólogos e ainda trabalham de uma perspectiva dogmática”.
A ciência se tornaria menos arrogante e prepotente caso assumisse a unidade indissolúvel entre o sapiens e o demens dos seres humanos, assinala.
Edgar Morin ensina que “temos que aprender a aceitar as incertezas e a viver com elas, enquanto nossa civilização instalou em nós a necessidade de certezas cada vez maiores sobre o futuro, muitas vezes ilusórias, às vezes frívolas.
E conclui: “A chegada da corona vírus nos lembra de que a incerteza permanece um elemento inexpugnável da condição humana”.
* Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É Psicanalista filiada à Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise –ABEPP.