Venho de 68 janeiros. Muito chão já pisei com estes dois pés cheios de calos secos. Chão poeirento, rachado, cheio de quentura, mas também chão de cheiro bom, cheiro de casa, de vida, de bem querer.
Terra bendita que as autoridades esquecem e dela somente lembram quando há eleição. Mas nem assim deixa de ser bendita. No verão, despe-se do verde, vira gravetos ressecados adormecidos sobre pedras e lajedos. No inverno, recebe de volta o enxoval da fartura, botando um verde tão verde, tão tinindo, que encandeia.
E como ela se torna alegre quando o inverno cai do céu em forma de chuva! O passarinho canta mais cedo, o galo toca a sua alvorada de jeito mais alegre, o milho brota do chão com o viço dos gigantes e o matuto, que já gosta da coisa, faz filho de enfieira, sem que a matuta se queixe do uso além da conta.
Mesmo na tristeza da seca, esta terra não deserda por completo seus rebentos. É certo que não mija água nos roçados, mais certo ainda que os roçados morrem, o gado vira esqueleto e muitos batem as portas do sul para virarem cassacos da mendicância. Mas nem assim ela deserda, abandona. Permite, por exemplo, que a esperança continue morando na casinha em cima da serra, como chama a manter viva a lembrança dos tempos bons, que com certeza retornarão com os primeiros relâmpagos.
E é tão boa esta terra que nenhum dos que nela beberam água ou descansaram sob as galhas de um juazeiro frondoso, deixa de a ela retornar, porque sabe que ali está o verdadeiro canto para o derradeiro descanso.
São 68 janeiros, vividos neste chão e noutros chãos do mundo. Mas nenhum janeiro a mais ou a menos impedirá que ali adormeça o resto dos cambitos para morar eternamente junto com as asas brancas das rolinhas choradeiras e dos galos de campina/cantores/tocadores dessas campinas do sertão.
Tião Lucena
Jornalista