*Maria José Rocha Lima
Confesso que andava com os olhos cansados de ler sobre educação, quase sempre lendo mais do mesmo, quando deparo com a obra Uma Pedagogia do Corpo, do professor Gabriel Perissé, da Coleção O Valor do professor, Editora Autêntica. O autor faz uma abordagem absolutamente inovadora sobre a importância dos cuidados com o corpo para o exercício pleno do magistério. Esta obra não poderia ser mais oportuna pela reflexão que proporciona ao professor, enquanto “corpo docente”, que deve ensejar o exercício do magistério de corpo inteiro.
Analisando o significado que encerra a expressão “corpo docente”, o autor vai explorando cada parte do corpo detalhadamente ao longo do texto, tanto no que se refere às funções mecânicas, físicas, bioquímicas, quanto no que diz respeito às possibilidades cinéticas e estéticas.
“Nossa performance em sala de aula tem boa dose de corporificação do nosso conhecimento. O corpo argumenta, indica, afirma e nega”, diz Perissé, concordando Jean Bergés: “O gesto é ponte estendida em direção a outra pessoa”.
Quão importante refletir sobre essa intercorporeidade que reúne corpo/espírito. Essas são questões urgentes, num tempo em que a desvalorização do professor parece acompanhada por tantas inadequações não apenas no aspecto da consciência profissional, social e ética, mas também em relação ao corpo. São inadequações que vão da postura da coluna, da entonação da voz, da linguagem, dos gestos, da colocação das mãos, do modo de se vestir, sem observar a máxima: o hábito faz o monge – sobre como somos avaliados?
Assim, Perissé nos ensina com ousadia e delicadeza sobre as exigências dos cuidados corporais e espirituais para o exercício do magistério. Ele argumenta que é através do corpo que demonstramos sentimentos como alegria ou tristeza, raiva ou serenidade; medo ou coragem; decepção ou entusiasmo. Alerta para a necessidade de compreendermos que para acessar o conhecimento, para ter ideias e fazermos raciocínios precisamos do espiritual e do corporal. “Vemos o invisível através do visível”, assinala.
Essa busca do aperfeiçoamento do professor nos envolve de tal modo que parece uma reconvocação ao exercício do magistério, quando jornais e pesquisas estampam que “ninguém quer ser professor”.
É muito bom pensar nos professores, no “corpo docente”, como um conjunto de profissionais elevados, versados em artes, exímios, peritos em situação superior, ensinando e aprendendo, comandando e não sendo pilotados. Quando deputada, realizei uma sessão solene na Assembleia Legislativa da Bahia, intitulada Obrigado, Professor; Obrigada, professora, para homenagear os professores de personalidades baianas, no curso da qual os homenageados se fizeram ouvir pelas palavras do notável mestre –professor, geógrafo e cientista social Milton Santos, um baiano universal, símbolo das melhores virtudes culturais da terra. Milton Santos declarou: “ Eu sou filho de professores primários, e eles me ensinaram desde cedo que os homens devem, primeiro, manter a cabeça erguida; segundo, olhar de cabeça erguida para a frente; terceiro, respeitar o outro; e, por último, ser digno e apreciar a dignidade.
“A escola foi, para mim, o Instituto Baiano de Ensino, onde tive oportunidade de ter grandes mestres. No Colégio da Bahia continuei este aprendizado. Em ambos aprendi também o verdadeiro comportamento em uma sala de aula: nenhuma complacência com aqueles que não se comportavam adequadamente, nem com os que não cumpriam com o seu dever; carinho, mas também severidade”, disse Milton Santos. E continuou: “Os meus mestres me ensinaram o gosto pela verdade e pela ética e me ensinaram também o significado do saber, paralelamente a um saber significativo. Então, o professor tinha o compromisso com a produção do homem, o que era o trabalho em todas as escolas, em todos os níveis, a profissão do homem inteiro, no qual o corpo equilibrava-se com o espírito e o espírito funcionava como condutor das ações todas, espelhando a possibilidade de exercer um futuro digno e sem compromisso outro que não com a verdade e com a ética. Desse modo, o professor tinha a possibilidade de olhar de cabeça erguida o mundo e os lugares e de promover o futuro de dignidade para todos”.
Perissé, como Milton Santos, concebe que o corpo é também a primeira manifestação da pessoa inteira. Para ele, a expressão “corpo docente” designa o próprio corpo dos professores, no sentido de um corpo que ensina e avalia; que aprende e educa; que orienta e é orientado. Os professores ensinam e aprendem da cabeça aos pés.
Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada estadual da Bahia de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira.