Maria José Rocha Lima*
Certa vez, chegando para dar aula na Escola Carlos Santana, em Salvador, onde fui lotada por aprovação em concurso público, fui chamada à diretoria para dar explicações sobre a distribuição de um boletim da Associação de Professores Licenciados da Bahia-APLB. A diretora era filha de um ex- deputado e agitava na mão o boletim da APLB, me perguntando:
– Foi você quem trouxe esse material para a minha escola?
Eu respondi:
– Em primeiro lugar, exijo receber o mesmo tratamento que lhe dou. Eu sou professora tanto quanto a senhora. Esta escola não é sua, ela é um órgão público e eu vou continuar distribuindo.
A diretora tremendo da cabeça aos pés, como se estivesse tendo um surto, gritava:
– Fora, fora da minha sala. Eu não te quero mais na minha escola! Você será devolvida à Secretaria de Educação, ainda hoje.
Voltei no dia seguinte para dar aula, mas já estava devolvida. Todos me aconselhavam a buscar uma solução negociada, pois essa podia ser uma estratégia do governo para me exonerar. Os diretores da APLB, da ala antiga, conseguiram um contato com a professora Jaci Soares, que exercia um cargo na Secretaria da Educação e tinha sido militante de uma organização de esquerda. Era comunista no Governo de ACM, bem daquele jeito que “só se vê na Bahia”, como cantam os compositores Roberto Mendes e Jorge Portugal, exaltando as nossas peculiaridades e criticando as nossas mazelas. Dizia-se que ACM gostava de comunistas no governo, porque tinham conhecimento e sabiam trabalhar.
Possivelmente para atender à solicitação da filha do ex-deputado, que desejava me ver pelas costas, Jaci Soares me lotou na Secretaria da Educação. E iniciei uma rica caminhada na luta pela educação, na Bahia.
Um dos encontros mais fecundos que tive na SEC/BA foi com a administradora Siomara Vitorino – coordenadora dos Programas Escola Comunitária e de Segurança Escolar. Todos me diziam para ter cuidado com a administradora, por ser “carlista”, casada com um militar das altas patentes e do grupo de Eraldo Tinôco, que era Secretário de Educação da Bahia. Siomara me acolheu respeitosamente e valorizava gente que gostava de trabalhar; fui integrada à equipe, que tinha outras comunistas. E nas horas livres eu continuava construindo o movimento de professores.
Depois de alguns anos de trabalho, Siomara, num gesto de gratidão pela minha dedicação, me chamou para conversar e, sabendo que eu era arrimo de família, pediu o nome da minha mãe para nomeá-la como auxiliar administrativa.
Tomei um susto e disse-lhe:
– Siomara, não a nomeie, porque você sabe que sou comunista e não votarei nos seus candidatos.
– Deixa de bobagem! – disse ela. Três dias depois, saiu a nomeação da minha mãe, numa lista. Assim, Dona Teresinha atuou por quase trinta anos na Escola Edgar Santos e se aposentou, graças à tolerância e generosidade de Siomara Vitorino.
Em 1982, Siomara assinou um documento dirigido ao governador ACM contra a minha demissão, por participação em greve. E impediu que o seu marido Ênio, que era brigadeiro, aceitasse uma promoção para dirigir SNI. Esses dias, conversando com ela por telefone, resgatamos essas histórias e eu falei:
– Siomara, você era comunista enrustida, e ela retrucou:
Nada disso, Zezé. Eu sou liberal.
E rimos a valer!