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O Conselho Diretor da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) autorizou a destinação de R$ 3,6 milhões para que sejam realizadas pesquisas pela Universidade de Brasília (UnB) sobre o uso de cloroquina no tratamento de pacientes diagnosticados com Covid-19. Dos cinco projetos apresentados, dois deles apresentam maior relevância sobre um dos temas mais abordados durante a pandemia do novo coronavírus.
Embora ainda sem a eficácia comprovada cientificamente, o emprego do medicamento em doentes da Covid-19 é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A queda de braço em relação ao assunto resultou na saída de dois ministros da Saúde. Nessa quarta-feira (20/05), contudo, o Ministério da Saúdeliberou o uso para o tratamento da doença na fase inicial.
A confirmação do patrocínio fará com que pesquisadores ligados à UnB passem a investigar cientificamente se a substância tem, realmente, alguma ação farmacológica segura na melhoria do quadro clínico de pacientes internados com a doença.
“O processo científico não pode ser refém de modismos e de opiniões que não sejam realmente galgadas em fatos comprovados por metologias criteriosas”, disse o presidente da FAP-DF, Alessandro Dantas.
Ainda segundo Dantas, “o que estamos fazendo é dar oportunidades a pesquisadores sérios para que cheguemos a um resultado, seja ele qual for”. “Os resultados sobre uma pesquisa também não podem ficar restritos a um pesquisador ou a um único enfoque, por isso temos direcionado o interesse em várias propostas que, juntas, nos trarão mais clareza sobre o tema”, explicou.
Pesquisas
Um dos principais estudos será conduzido pela médica e pesquisadora Flávia Dias Xavier, professora adjunta de hematologia da Universidade de Brasília. O programa quer realizar um “ensaio clínico multicêntrico, prospectivo, randomizado para avaliação do uso de hidroxicloroquina e azitromicina ou imunoglobulina em pacientes com insuficiência respiratória por Covid-19” em hospitais públicos credenciados.
Para a pesquisa, a especialista teve a sinalização positiva de R$ 1.977.978,24, em valores estimados e, com o recurso, terá o prazo previsto de cinco meses para apresentar os resultados sobre os vários cenários testados pela imersão.
Com tema similar, a segunda empreitada é de autoria do também médico Gustavo Adolfo Sierra Romero, doutor em medicina tropical pela UnB. A proposta quer avaliar a eficácia e a segurança do difosfato de cloroquina no tratamento de pacientes hospitalizados e com síndrome respiratória grave causada pelo coronavírus.
“Serão incluídos 440 participantes, randomizados nos dois grupos, e haverá análises interinas para definir oportunamente a continuação do estudo, que poderá ser interrompido pelo excesso de letalidade acima da esperada em qualquer um dos braços da pesquisa; ou pela conclusão de superioridade da dose alta. As análises terão como desfecho primário a proporção de óbitos no 28º dia de internação”, descreve o documento encaminhado à FAP-DF.
Conforme o projeto aprovado, a destinação de R$ 1.552.320,00 custeará pelo menos seis meses previstos para a realização do estudo. Em tese, os resultados poderiam ser acessados minimamente no mês de dezembro.
“Os dois projetos foram apresentados e o objetivo é a cooperação técnico-científica para apoiar iniciativas e ações de pesquisa, inovação e extensão destinadas ao combate da Covid-19. As propostas foram aprovadas pelo Conselho Diretor da FAP-DF, instituição vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, e também no âmbito da Secretaria de Saúde”, explica a Fundação de Apoio à Pesquisa.
Próximo passo
Ainda segundo a instituição, agora, passarão por análises de consultores para verificação da relevância, pertinência e viabilidade. “Apenas após essas etapas é que poderão ser contratados pelo poder público. Por essa razão, ainda não podemos informar datas específicas de início, tendo apenas prazos e valores estimados”, pondera.
Há, ainda, pelo menos três outras propostas praticamente aprovadas, mas com pedido de patrocínio mais tímidos. Uma delas quer avaliar a “influência da hidroxicloroquina na resposta imune inata como possível mecanismo de redução da lesão pulmonar por Covid-19”. A coordenação será de Wagner Fontes, professor titular de Bioquímica na UnB. O prazo previsto é de quatro meses, com o investimento de R$ 35 mil.
Outra área de atuação será uma pesquisa sobre árvores do cerrado produtoras de quinina “como substituto de hidroxicloroquina e cloroquina no tratamento dos sintomas do Covid-19”. A proposta é de Daniel Costa de Carvalho, professor adjunto do Departamento de Engenharia Florestal da UnB. O valor estimado será de R$ 5,5 mil, pelo prazo de seis meses de aplicação.
Procurada pela reportagem, a Universidade de Brasília afirmou ter realizado, no mês passado, uma chamada pública de projetos de combate à Covid-19.
“Foram aprovadas 115 excelentes propostas, de diversas áreas do conhecimento. Várias delas receberão recursos da FAP-DF, sendo cinco relacionadas à cloroquina e/ou hidroxicloroquina. Para isso, as propostas passaram por rigorosa análise de especialistas da UnB e de representantes da agência de fomento, da Secretaria de Saúde e do Laboratório Central de Saúde Pública do DF”, informou a UnB.
Ainda segundo a instituição de ensino, tendo em vista a recente mudança no protocolo do uso da cloroquina pelo Ministério da Saúde, alguns pesquisadores precisarão rever os projetos.
“No caso do estudo liderado pelo professor Gustavo Romero, está em análise o impacto da medida e sua consequência para o início (ou não) do ensaio clínico. Para a pesquisa coordenada pela professora Flávia Xavier, não deve haver mudança, pois ela se concentra apenas em casos graves da doença. O grupo, entretanto, ainda aguarda o aval do comitê de ética em pesquisa para iniciar os estudos”, finalizou a universidade.
Polêmica
O uso da cloroquina e derivados no tratamento da Covid-19 tem sido polêmica e controversa, justamente pela falta de uma evidência científica de que tenha eficácia na melhora do quadro respiratório do paciente. O medicamento é normalmente utilizado para tratar malária e doenças autoimunes, como lúpus.
O Ministério da Saúde também fez ressalvas técnicas de que, na prática, a droga não tem eficácia comprovada no tratamento dos sintomas causados pelo coronavírus.
“Apesar de serem medicações utilizadas em diversos protocolos e de possuírem atividade in vitro demonstrada contra o coronavírus, ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o beneficio inequívoco dessas medicações para o tratamento da Covid-19”, destaca trecho da nota técnica.
Com isso, a responsabilidade para a escolha do remédio deve ser pensada e negociada entre médico e paciente. “Assim, fica a critério do médico a prescrição, sendo necessária também a vontade declarada do paciente, conforme modelo anexo”, conclui.
Cientistas em pesquisas em todo o mundo apontam que há efeitos colaterais graves e que podem elevar as chances de morte, como aumento de complicações cardíacas.
“A escolha desta terapia, ou mesmo a conotação que a Covid-19 é uma doença de fácil tratamento, vem na contramão de toda a experiência mundial e científica com esta pandemia. Este posicionamento não apenas carece de evidência científica, além de ser perigoso, pois tomou um aspecto político inesperado”, destaca eentidade, em nota.