Saúde se tornou prioridade para soberania. Raúl Martinez/EFE/Reprodução
Após um período em que consumo, globalização, segurança e recursos energéticos ditavam a geopolítica mundial, principalmente após os atentados de 11 de setembro de 2001, a pandemia causada pelo novo coronavírus veio para incluir outro fator determinante: a Saúde.
E é pela Saúde que se inicia uma ampla reestruturação da globalização. Depender de países com mão de obra mais barata e ampla capacidade de produção, como China e India, virou uma ameaça.
O objetivo agora, é voltar a produzir também o básico. Não foram raras as vezes em que, tendo terceirizado suas indústrias para outras nações, países como a França e a Espanha sofreram muito com a falta de máscaras e equipamentos para combate à pandemia.
Para o professor de Relações Internacionais, Yann Duzert, que vive atualmente na França e é diretor executivo da Newgotiation Clinic, a partir de agora, muitos países deverão retomar seus processos de industrialização. Que tinha ficado de lado em função da integração e da possibilidade de baratear a produção.
“Vai haver uma mudança de diretrizes na globalização, para uma base que não fique voltada apenas à exportação e importação. Os países vão repensar o que é estratégico para a própria soberania a partir da pandemia, buscando agora utilizar tecnologias e recursos para garantir a segurança sanitária”, afirma.
A Revolução Industrial é um processo que vem se transformando ao longo dos séculos. Teve início nos idos de 1760, quando a mecanização mudou o caráter do trabalho.
Nas etapas seguintes, a segunda (com a eletricidade e o petróleo, a partir de 1870) e a terceira (com as multinacionais e a informatização, a partir de 1950), ela ganhou características que neste momento têm sido revitalizadas: a produção pela própria soberania.
Duzert, que também é professor da Rennes School of Business, cita o caso da série de países da União Europeia que se viram vulneráveis a um modelo de desindustrialização que estava vigente nos últimos anos.
São os casos de Itália, França, Espanha e Reino Unido que, no momento de pico da pandemia, registraram altos números de mortos e sobrecarga em seus sistemas.
“Só turismo e serviços não bastam. A Alemanha guardou mais sua indústria, manteve seu parque industrial farmacêutico, siderúrgico, automobilístico, a indústria pesada em geral e direcionou suas necessidades. Para que produzir barcos agora, poluir ambiente? Para que pagar 3 euros só para os chineses produzirem máscara e elas faltarem no momento de necessidade? Melhor pagar 4 e tê-las nessas horas. Vamos assistir a uma melhor globalização, com países como a França, Espanha e Itália tentando reconstruir o próprio parque industrial”, prevê.
Nova União Europeia
Esse novo modelo, segundo ele, vai ser impulsionado pela própria Alemanha, interessada em não mais ficar sobrecarregada com as distorções econômicas de outros países. Neste sentido, engana-se quem pensa que a União Europeia vai se enfraquecer. Pelo contrário.
“A Alemanha, desde o aporte financeiro da UE para a Grécia, tem feito a lição de casa, enquanto outros países não tiveram boas gestões na saúde e em outras áreas”, diz.
Ele lembra que, enquanto o número de mortos pela covid-19 foi menor na Alemanha, o país dividiu custos com outros que tiveram dificuldades em conter a pandemia, com mais mortes e falta de equipamentos.
“A Alemanha deverá a partir de agora questionar essa política monetária ou então mutualizar a dívida de outros países. E se todos compartilharem a mesma responsabilidade, será mais difícil ainda sair da UE, porque o preço da dívida será compartilhado, o que fortalecerá ainda mais a unidade do bloco”, destaca.
Na questão sanitária, a Alemanha também teve um desempenho muito mais satisfatório do que outras grandes nações europeias no controle da pandemia até o momento.
“A Alemanha investiu o mesmo valor que a França em hospitais, mas menos em cargos administrativos, pagando mais por leitos de reanimação e equipamentos, por exemplo. Na pandemia, os resultados foram claros: a Alemanha teve cinco vezes menos mortes do que a França. A cada 1 bilhão de euros investidos em saúde, são poupados 3 bilhões de euros em custos de saúde”, diz.
Investimento em saúde
A solidez da Alemanha neste momento também se reflete na Economia. E impulsionará também essas mudanças na globalização.
A tendência é que tanto o neoliberalismo ortodoxo quanto a estatização radical terão de ceder, conforme afirma Duzert.
“Está ocorrendo agora algo semelhante à crise de 2008. Os contrários à presença do Estado acabaram recorrendo a ele neste momento emergencial, dizendo: ‘nos regule, fomos gananciosos, precisamos do seu dinheiro agora para ter liquidez e pagar dívidas’. De outro lado, há aquela lógica keynesiana (defensora do investimento público) de que investir em saúde é lucro. Mas é verdade que deve haver uma melhor gestão pública, para administar melhor esses recursos e uma contrapartida para os Estados injetarem dinheiro nas companhias”, afirma.
Neste sentido, a nova pandemia também mostrou que investir em Saúde é ganho e não é gasto.
“Muitos diziam que gastos públicos não deveriam passar de 3%. Na França, a pandemia já vai custar 100 bilhões de euros e 300 bilhões em termos de custo de investimento, algo muito maior do que se tivesse investido melhor em Saúde antes”, completa.
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