Maria José Rocha Lima
Recebi a notícia da saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça com uma profunda tristeza. Para mim, é o fim. O ministro Moro tira o sono dos corruptos brasileiros, especialmente daqueles que frequentam o Congresso Nacional, representando máfias, crime organizado, grupos criminosos de toda sorte. Muitos estão comemorando e outros recorrendo a artimanhas, discussões mesquinhas, a fim de prejudicar a discussão principal.
A grande maioria dos políticos brasileiros perdeu a vergonha. Eles nada aprendem com a vergonha. A única coisa que os ameaçam é roubar e serem descobertos, flagrados com a mão na botija, porque podem perder quantias vultosas. O problema, como de todo ladrão, é roubar e não poder carregar. Notem que não é apenas ser descoberto, porque isso eles assimilam muito bem, o problema é somente não poder levar o fruto do roubo, não poder usufruir dele.
Eu venho observando nas hostes políticas que é até honroso para certos políticos pertencer a uma organização criminosa, a um grupo mafioso, porque isto dá prestígio; o nome sai na imprensa, vinculado aos esquemas, é visto como alguém poderoso, confiável, é bem-vindo junto aos grupos que acumulam milhões ou bilhões.
É muito doloroso ver Sérgio Moro deixar o governo. Para mim, é o fim. Estou absolutamente desalentada. Nós, que lutamos durante 40 anos por um Brasil justo, vemos todas as esperanças esboroarem. Acabamos de sair de uma situação dramática de má-governança e desenfreada corrupção, restava- nos uma esperança de que o ministro inaugurasse uma nova fase, com uma novíssima mensagem aos brasileiros, promovendo um novo valor: a vergonha.
Há quem admire na cultura brasileira a característica unificadora nacional, que é justamente: “o jeitinho brasileiro”, “essa capacidade do brasileiro de não se levar a sério; “de estar aberto ao deboche”; “brasileiro gosta de levar vantagem em tudo”. Como disse uma colega, no MEC: -“ “Para que fazer a coisa certa, se podemos fazer a coisa errada? Pode começar parando de sentir vergonha do que nós somos”.
Vivemos num Brasil que não aprendeu a ter vergonha. Não se trata da culpa por transgredir a lei. A culpa à qual nos referimos é intrínseca à formação para conviver socialmente, às formações religiosas ou filosóficas, não dependendo de normas legais.
No Brasil, diferentemente da interiorização psicológica das leis e das suas punições coletivas, decorrentes dos desvios das normas sociais, sejam a culpa cristã; a vergonha asiática, que leva até ao suicídio os japoneses que cometem crimes, aqui, neste país, só o medo da punição freia a sociedade brasileira. Enfim, tudo sugere a necessidade de um controle caracterizado pelo medo, pela punição severa, menos pela culpa ou pela vergonha. E como sabemos, o medo é pouquíssimo eficiente na função de evitar o crime, porque ele impede ou anula a razão.
Não respeitar as leis e agir por medo gera perda de coesão social, de capacidade de planejamento e de bem-estar coletivo. Porque a união dos membros de uma comunidade tem por obrigação superar os interesses individuais. Todos os membros sociais devem unir-se a todos em torno de algum sentimento comum. “Vinte e quatro séculos antes de Durkheim, Confúcio propunha à sociedade asiática a punição da não adesão à norma social pela vergonha. Todos nós conhecemos como mandamento que, em adição às leis, os asiáticos devem se conduzir pelo exemplo e pela honra. A alternativa à adesão estaria na vergonha e no exílio social”.
Já em relação à cultura cristã, “com o apoio intelectual de Santo Agostinho, foi instituída a punição pela culpa. A punição pela culpa tem a força de punir também a simples intenção. Isto lhe confere um papel inibidor da conduta antissocial potencialmente mais amplo que a vergonha”.
Um terceiro elemento inibidor de individualismos exacerbados é o medo. É conhecida uma frase do século XVI, como pensava a nobreza da época, que “se tiveres que decidir entre controlar pelo amor ou pelo medo, escolha controlar pelo medo”.
Temos na modernidade o controle pelo medo praticado pelo Stalin no século XX; Nicolae Ceauşescu, secretário-geral do Partido Comunista do seu país de 1965 a 1989, servindo também, a partir de 1974, como Presidente da República Socialista da Romênia; a Coreia do Norte, um Estado socialista que vários analistas classificam como uma ditadura stalinista totalitária, etc.; e os terroristas no século XXI.
A sociedade brasileira está longe de beneficiar-se menos da vergonha e da culpa. Por isso, exalta as confusões coletivas nas quais a má conduta é vendida e aceita como um heroísmo à la Robin Hood. É preciso a uma sociedade reaprender os ensinamentos transmitidos através de milênios. Aprender com as outras culturas das quais se podem extrair valores de civilidade e harmonia, para o bem do Brasil e dos brasileiros.
No Brasil, estamos diante de um quadro alarmante: um estado praticamente sem lei: cresce a violência; naturaliza-se a má governança; a corrupção campeia; o crime organizado ameaça a todos nós; a farra com os recursos públicos é revoltante; a falta de atendimento nos serviços sociais é criminosa; há um extorsivo pagamento de impostos; a impunidade dos criminosos de colarinho era bem aceita. Isto tudo é incompatível com um ministro sério, forte, incorruptível, como Sérgio Moro.
Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada estadual de 1991 a 1999. Fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista filia à ABEPP;