Horas depois de ter anunciado que o parlamento manteria o veto do presidente Jair Bolsonaro a pontos do Orçamento Impositivo, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), suspendeu, nesta terça-feira (3/3), a sessão conjunta de senadores e deputados que tratava do assunto. Mesmo após um dia inteiro de discussões, os impasses sobre a distribuição de recursos do Orçamento de 2020 continuaram intensos, com o envio, no fim da tarde, de três projetos do governo que buscam regulamentar o assunto.
As lideranças partidárias devem se encontrar novamente hoje para tentar chegar a um consenso sobre as próximas votações. Nesta terça-feira (3/3), embora tenha afirmado que o veto será mantido, Alcolumbre reclamou da demora do governo em enviar os projetos que vão regulamentar a distribuição dos recursos das emendas parlamentares. “Eu estava esperando os PLNs para as 9h, e eles só chegaram às 17h05. Legitimamente, vários senadores se manifestaram para cumprir o regimento para a votação”, afirmou o presidente do Congresso.
As proposições do governo são uma forma de contrapartida pela manutenção do veto ao Orçamento Impositivo. A ideia é garantir que o Congresso tenha, ao menos, direito de indicar a prioridade de execução de R$ 15 bilhões dos R$ 30 bilhões que geraram brigas entre Legislativo e Executivo nas últimas semanas. Na LDO, antes da sanção presidencial, o valor era destinado a emendas do relator do Orçamento, mas Bolsonaro vetou o trecho. É a manutenção desse veto que tem sido discutida pelo parlamento desde antes do carnaval.
Devido, porém, à demora de Bolsonaro em enviar os projetos, Alcolumbre anunciou, nesta terça-feira (3/3) à noite, que os vetos podem ser votados hoje, mas os projetos só começarão a ser apreciados na semana que vem. Parte dos deputados, no entanto, defende que os vetos só sejam analisados depois de os PLNs serem aprovados e sancionados por Bolsonaro, para garantir que o governo não vai voltar atrás no acordo. A ideia é defendida por líderes do chamado Centrão — grupo informal que inclui partidos como MDB, PP, PL, DEM, PSD.
Tramitação
Projetos de lei demoram mais para tramitar, enquanto os vetos são votados de imediato na sessão conjunta. Por pressão dos parlamentares, ficou decidido, em reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e com os líderes que os três PLNs do Executivo vão avançar de acordo com o regimento, ou seja, encaminhados primeiro para a Comissão Mista de Orçamento (CMO), em que tramitará com pelo menos cinco sessões para a inclusão de emendas.
A sessão desta terça-feira (3/3) foi suspensa pouco depois de Bolsonaro ter dito, no Twitter, “que não houve qualquer negociação em cima dos R$ 30 bilhões”. O presidente se referiu a um dos trechos da LDO vetados por ele, que garantia esse valor a emendas sob gestão do relator do Orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE). “A proposta orçamentária original do governo foi 100% mantida”, ressaltou o chefe do Executivo.
A possibilidade de derrubada dos pontos da LDO que tratam do Orçamento Impositivo, em especial o das emendas do relator, foi o pano de fundo da crise mais recente entre o Executivo e o Legislativo. Nesta terça-feira (3/3), antes da sessão conjunta, Alcolumbre tentou apaziguar os ânimos. O senador explicou que “a independência é fundamental, mas a harmonia também”. Segundo ele, “jamais o Congresso quis fazer, como se diz na rua, o parlamentarismo branco”.
Liberdade
O maior impasse em relação às emendas parlamentares é até que ponto o Congresso deve ter liberdade total de decidir a ordem e o prazo em que os valores serão aplicados. As individuais já são impositivas, o que significa que têm preferência. O problema é que, em 2020, os senadores e deputados inseriram na LDO, pela primeira vez, a impositividade também para as emendas das comissões permanentes e para as do relator do Orçamento.
A mudança não agradou ao presidente, que decidiu vetá-la. Segundo ele, a aplicação automática do dinheiro, sem interferência do Executivo, é uma forma de engessar o Orçamento. Os parlamentares, agora, devem manter o veto, mas pedem, em contrapartida, que também tenham participação na ordem de execução do valor, mesmo que não fique nas mãos do relator.
Demora atrapalha o próprio governo
demora do governo federal em apresentar ao Congresso os textos que regulamentariam os critérios de execução do Orçamento Impositivo atrapalhou os planos do presidente Jair Bolsonaro de conseguir com que os vetos estabelecidos por ele à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 fossem mantidos e os projetos de lei com as regras para a distribuição dos recursos das emendas parlamentares, analisados já na sessão desta terça-feira (3/3). Agora, como ordenam os prazos regimentais de tramitação do processo legislativo, os documentos só voltarão ao plenário do Congresso após a realização de cinco sessões e a votação dos temas na Comissão Mista do Orçamento (CMO).
As regras propostas pela equipe econômica foram concretizadas em três textos. Em um deles, Bolsonaro sugere um reajuste para retirar do relator-geral da LDO de 2020, o deputado Domingos Neto (PSD-CE), a competência de definir o destino de aproximadamente R$ 9,6 bilhões dos R$ 30 bilhões previstos no Orçamento Impositivo. No projeto, caberia ao próprio Poder Executivo executar esse Orçamento, que ficaria reservado a gastos discricionários (não obrigatórios). O governo federal escolheu 11 ministérios para dividirem o valor (veja quadro).
Além disso, num afago ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que foi a principal ponte de negociação entre o Congresso e o Planalto, o governo federal pediu a abertura de “crédito suplementar para reforço de dotação constante da Lei Orçamentária vigente” de pouco mais de R$ 6,47 milhões, que será alocado para o “atendimento de demanda existente no estado do Amapá para realização de procedimentos cirúrgicos no âmbito do Sistema Público de Saúde e à melhoria dos serviços prestados à população local”.
Os demais textos propõem alterações no teor da LDO com objetivo de estabelecer regras para o cumprimento da Emenda Constitucional 100, que trata das emendas parlamentares impositivas, e da Emenda Constitucional 102, que estabeleceu a divisão com estados e municípios dos recursos do leilão de excedentes do pré-sal.
Eles também sugerem mecanismos para que, durante a execução de emendas parlamentares, as comissões do Congresso ou o relator-geral do Orçamento só sejam ouvidos pelo Executivo quando a iniciativa dos congressistas reforçar a “dotação original proposta pelo governo”. Além disso, as execuções das programações de resultado primário envolvendo colegiados ou o relator-geral deverão “observar as indicações de beneficiários e a ordem de prioridade feitas pelos respectivos autores”, e ficarão “restritos ao montante acrescido”.
Pressão
Esses pontos, contudo, não ficaram claro para deputados e senadores, que pressionaram Davi Alcolumbre a não levar os projetos à votação. De qualquer forma, na avaliação de técnicos do Congresso, os textos podem “dar maior clareza à meta de resultado primário do governo federal” e estabelecer normas para aplicação das emendas constitucionais “com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”.
Os projetos, ainda segundo os técnicos, “ampliam o prazo previsto para que o Poder Judiciário discrimine, no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), a relação dos precatórios relativos às dotações” e “definem mais claramente quais as exigências para apresentação de proposições legislativas que importem ou autorizem diminuição de receita primária não tributária, de receitas financeiras com impacto primário ou aumento de despesa primária da União”.
Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, que assinou os textos dos três projetos, as mudanças sugeridas são fundamentais para garantir eventuais ou futuras modificações nas emendas apresentadas pelo relator-geral e pelas comissões e também para “dar maior clareza” ao cumprimento da meta fiscal deste ano, mantendo um deficit primário de R$ 124,1 bilhões. (RH e AF)
O destino do Orçamento
Guedes pede a movimentos civis que apoiem as reformas
Apesar das idas e vindas na relação entre o Executivo e o Congresso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda pretende aprovar, até julho, as principais medidas econômicas prometidas pelo governo para este ano — a reforma tributária, a reforma administrativa e o pacto federativo. O cronograma foi apresentado pelo ministro nesta terça-feira (3/3), em uma reunião, às escondidas, com movimentos civis de direita. E coincide com o prazo que parece ter sido dado pelo presidente Jair Bolsonaro para a equipe do ministro mostrar resultado.
O cronograma de Guedes foi apresentado a movimentos civis que já apoiam a agenda econômica liberal antes mesmo do governo de Jair Bolsonaro, como o Movimento Brasil Livre (MBL), o Vem pra Rua e o Brasil 200. E também a porta-vozes do movimento Nas Ruas, que está à frente da manifestação convocada para o próximo dia 15 em defesa de Bolsonaro, mas também em protesto contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). A apresentação ocorreu no meio de uma conversa que já havia sido solicitada há mais de um mês pelos movimentos civis, que querem traçar uma estratégia de apoio à reforma tributária nas redes sociais, como aconteceu durante a reforma da Previdência, mas que acabou acontecendo de forma improvisada nesta terça-feira (3/3).
A reunião de Guedes com os movimentos civis estava na agenda do ministro, mas acabou cancelada pelo Ministério da Economia logo na segunda-feira à noite. Na manhã desta terça-feira (3/3), portanto, em vez de receber esses grupos no ministério, como estava previsto, Guedes conversou com Bolsonaro. Depois disso, contudo, foi almoçar com os representantes dos movimentos civis na casa do secretário especial de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia, Salim Mattar, em uma agenda que não foi informada à imprensa.
Guedes e Mattar, por sinal, não falaram nada sobre o encontro, mas quem esteve lá relatou que o ministro aproveitou a disposição dos movimentos em apoiar a reforma tributária para apresentar — e indiretamente pedir apoio — ao seu calendário de trabalho. É um cronograma que prevê a aprovação das reformas tributária e administrativa e das três propostas de emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo ainda neste primeiro semestre, antes do recesso parlamentar do meio do ano.
“O ministro listou os projetos prioritários para o Ministério da Economia e mostrou quais são os prazos necessários para a tramitação das matérias mais relevantes até o recesso do Congresso, em julho”, informou o Vem pra Rua, em comunicado emitido após a reunião. “O objetivo é aprovar tudo no primeiro semestre. Em 15 semanas”, confirmou o coordenador do MBL, Rubinho Nunes.
Administrativa
O calendário de Guedes, porém, é apertado e já está até atrasado, pois previa o envio da reforma administrativa até a semana passada. O ministro prometeu, mais uma vez, enviar o projeto para o Congresso nos próximos dias.
Os movimentos civis avaliaram, portanto, que só é possível cumprir esse calendário caso o Executivo, de fato, envie logo a reforma administrativa e caso o Congresso continue disposto a tocar a agenda econômica do governo, como já indicou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mesmo depois dos últimos atritos com o governo. “Dá tempo, mas depende dos prazos de envio”, frisou Nunes, admitindo que, caso haja impasse nesses prazos, alguma coisa pode ficar para o segundo semestre. “Sabemos que é difícil determinar prazos no Congresso, porque ainda há muita discussão para acontecer. Vamos acompanhar o andamento das comissões”, acrescentou a coordenadora do Vem pra Rua em Brasília, Celina Ferreira.
Deixar essas pautas para o segundo semestre, porém, pode não ser interessante para o governo. Afinal, muitos parlamentares vão voltar suas atenções para as eleições municipais, depois de julho, mas Bolsonaro quer ver uma melhora na economia antes disso. Por isso, parece ter dado um prazo para Guedes mostrar resultado. Há alguns dias, quando o ministro e o presidente entraram em atrito por conta da reforma administrativa, comentou-se que o presidente teria exigido que a economia desse sinais de recuperação até julho, para que o atual ritmo lento de recuperação não interferisse no desempenho dos seus candidatos nas eleições de outubro. Esse seria, então, o prazo de Guedes no superministério da Economia. (CB)