Nesses tempos de relativismo moral, a versão vale mais que o fato. Se cada um tem sua verdade, ninguém terá razão. Se todos são inocentes, não haverá culpados.
A verdade não surge de versões. Nenhum depoimento se sustenta se não estiver amparado por um fato ocorrido e provado, com personagens e circunstâncias.
Alguém pode comparecer a uma delegacia e acusar outrem de ter praticado um delito, e a isto se dá o nome de notícia-crime. Realizam-se diligências para averiguar se o fato comunicado existiu ou procede. Há casos de queixosos com distúrbios diversos, incluindo a paranoia, que registram dezenas de ocorrências contra familiares e vizinhos por fatos que só existem em sua mente.
Uma imputação feita contra alguém, se o fato não existiu, configura denunciação caluniosa, punida com até oito anos de reclusão. Há também a falsa comunicação de crime, considerado delito de pequeno potencial ofensivo.
Na guerra política que se trava hoje no Brasil, verifica-se uma tentativa de transformar fatos em versões. Os lados se dividem, relativizando a conduta de seus preferidos e apontando o dedo para o adversário, como se tudo não passasse de uma grande conspiração dos inimigos.
Não há mais como negar a realidade. O Brasil foi sequestrado por organizações criminosas políticas, compostas por diversas facções, que levaram o País à bancarrota.
Nenhum sistema sobrevive com desvios trilionários como os que se presenciam hoje no Brasil. Ainda mais se o dinheiro é enviado para paraísos fiscais ou fica guardado em caixas de papelão e malas de viagens, homiziado em aparelhos adredemente preparados para esse fim.
O dinheiro estocado é o mesmo que falta para os tomógrafos e demais equipamentos dos hospitais públicos, quebrados por falta de manutenção, para escolas que caem aos pedaços, para saneamento básico, mobilidade e segurança pública.
Não sei onde determinadas pessoas encontram justificativas morais para, apontando o dedo ao adversário, dizer que o outro é quem não presta. Talvez tenham aprendido com Sartre: “O Inferno são os outros”, dizia.
Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF e Jornalista.