*Maria José Rocha Lima
Por que no dia que eu ia ao Show de Toquinho e Ivan Lins, em homenagem a João Gilberto, autor das músicas ouvidas, na minha infância, eu publiquei uma foto ao lado de uma cristaleira? Conta minha mãe, que eu tinha três anos quando me maravilhei por uma cristaleira. Ela foi visitar, pela primeira vez, um primo do pai dela Hermógenes Xisto Lima, que tinha muita vontade de nos conhecer.
E chegando lá eu muito curiosa me encantei por uma afortunada cristaleira. Enquanto os adultos conversavam, eu fiquei imóvel diante da cristaleira, como que encantada, mal me movia,contavam nossas primas.
Dizem que primeiro eu mirava-me no espelho, com um certo olhar de cobiça; depois queria, por que queria abrir o móvel a todo o custo; e por fim me enfiei debaixo da cristaleira, como se quisesse invadi-la; integrá-la a mim e lá fiquei presa.
As conversas entre minha mãe e suas as primas – adultas- foram interrompidas e tiveram que montar uma operação resgate para me tirar de debaixo da cristaleira. Todas tentaram cuidadosamente, sem provocar dano ao móvel e sem me acidentar.
Não teve remédio, todas já estavam declarando-se vencidas quando eu esgueirei-me com a maior destreza, afastando-me cautelosamente, para sair de debaixo da cristaleira, numa boa. Todas aplaudiram. Naquele dia, toda a conversa na casa passou a ser em torno da “minha cristaleira” e nunca mais dela me separei.
A “minha cristaleira” virou uma espécie de objeto transicional, que eu carrego vida afora.São cristaleiras para todo lado: da Bahia para Brasília e se deixassem as levava para Angola, quando fui trabalhar na cooperação. Para minha felicidade, esses nossos familiares, praticamente nos adotaram na casa da “cristaleira linda”. Naquela família, do velho Hermógenes, que mais tarde foi padrinho de Sueli, minha irmã, que carinhosamente o chamava de meu Tatinho; e das suas sete filhas aprendemos muito: sobre beleza; sofisticação; boas maneiras e amor à educação. Por que, publiquei aquela foto ontem?
Só Freud pode explicar ou um dos seus seguidores, o psicanalista inglês Donald Winnicott. Eu só sei que a minha criança; a criança que me habita mudou o estatuto ontológico da “cristaleira”, transformado-a num ser, que amo, que não vivo sem ele, que abriu um novo mundo para mim!