Maria José Rocha Lima
No dia 21 de setembro, em Brasília, assistindo ao show de Paulinho da Viola, a plateia ficou comovida com uma homenagem por ele prestada a uma de suas professoras. E, observando a sua elegância principesca, a pureza nas pronúncias, quase silabadas, das palavras, com um tom modulado, que mesmo baixinho permitia o entendimento perfeito de cada uma delas, lembrei-me das aulas de leitura em voz alta da professora Zaide Francelina de Lacerda Bastos, nas quarta e quinta séries do curso primário.
Nós somos de um tempo no qual guardávamos na memória dramáticas e desafiadoras imagens de professoras primárias, lendo com entonação, lirismo, beleza e muita emoção.
As aulas de leitura davam gosto. Davam gosto e um frio na espinha, pois aquelas professoras eram exigentes e até severas. Elas levavam a sério as aulas de leitura. Eram textos literários, poemas, notícias de revistas e jornais e cartas de amor.
Nunca me esqueci de um texto lido pela professora Zaide, que dizia assim: “Caía a tarde. No pequeno jardim do Paquequer, uma linda moça se embalançava indolentemente numa rede presa aos ramos de uma acácia silvestre, que estremecendo deixava cair algumas de suas flores miúdas e perfumadas. Os grandes olhos azuis, meio cerrados, às vezes se abriam languidamente como para se embeberem de luz, e abaixavam de novo as pálpebras rosadas. Os lábios vermelhos e úmidos pareciam uma flor da gardênia dos nossos campos, orvalhada pelo sereno. A mãozinha afilada brincava com um ramo de acácia que se curvava carregado de flores…”
Memorizei apenas esta parte, mas as descrições líricas da moça continuavam… Uma pena os tempos idos não me permitem lembrá-lo por inteiro.
Mas ainda lembro- me, como se fosse hoje, da imagem da professora Zaide num gesto solene, bem compenetrada com o livro seguro, bem firme, nas mãos, lendo alto e bonito, com a voz impostada como se fosse uma cantora de coral. As palavras eram claramente pronunciadas, às vezes, creio que para enfeitar, eram lidas, como faz Paulinho da Viola, de forma quase silabada. Nós, seus alunos da aula de leitura, ficávamos pensando quando conseguiríamos ler como a professora Zaide.
Eu ficava a imaginar: que livro seria aquele? Onde ela achou aquele livro bonito? Como ela consegue ler tão rápido, se ele não tem uma figura sequer? Por que, quando ela o lê, fica tão elegante e imóvel? Por que ela só mexia os olhos? O que a professora estava querendo dizer com tudo aquilo? O que ela nos perguntaria, em seguida?
Será que ela iria nos mandar ler? Era um medo bom!
E se ela mandasse e eu lesse muito bem?
Hoje, vejo como fazem faltas as aulas de leitura, nas escolas brasileiras, principalmente nas classes de alfabetização, nestas é fundamental que sejam realizadas todos os dias por necessidades técnicas e necessidades de leituras, bem escolhidas, para abordagens dramáticas.
Tudo isto pode definir as trajetórias dos nossos alunos na alfabetização, na escola e na vida.
Precisamos de muitas professoras “Zaides”, com as suas leituras poéticas, rigorosamente cuidadas, elegantes, cercadas de ritos, com muito lirismo, beleza e emoção. Como fez Paulinho, quando deputada requeri e realizei uma Sessão Solene intitulada Obrigada, Professor, Obrigado, Professora, na qual os intelectuais, poetas, escritores, juristas, artistas, cientistas, pesquisadores, acadêmicos, jornalistas, marqueteiros famosos e autoridades baianas homenagearam os seus professores inesquecíveis.
Para mim, o retrato dos professores das últimas décadas, revelada por aquela sessão, a partir da indicação das personalidades, poderia compor os autos de uma peça histórica e jurídica em favor dos mestres, forçando as autoridades ao pagamento de altos salários e indenizações incalculáveis, além do direito a registros destacados na história da Bahia e do Brasil.
Maria José Rocha Lima é mestre pela Universidade Federal da Bahia – UFBA e doutorando em Educação.