CARNAVAL SEM DINHEIRO
Miguel Lucena*
É generalizada a queixa de que, por falta de dinheiro, não dá para brincar carnaval este ano. Até o Galinho de Brasília, bloco tradicional da Capital da República, cancelou suas apresentações. Acostumados a certos padrões que alcançamos, nos esquecemos de que, no passado, a festa ocorria de um jeito ou de outro.
A marchinha reforçava: “Com dinheiro ou sem dinheiro, ê, ê, ê, ê, eu brinco!”. As pessoas saíam para as ruas sem lenço e documento, uma mão no fecho, outra no cano, como dizia meu pai. Bastavam, para a criançada, uma caixa de maizena ou um talco, um desodorante barato e uma “chiringa” (recipiente plástico com um dispositivo que, pressionado, esguichava água em quem passasse por perto).
Os adultos faziam um carnaval solidário. Uns levavam a cachaça, outros o tiragosto, comprava-se o amido de milho ou o talco fiado para o tradicional mela-mela. “Eu vou é pro mela-mela”, ouvia-se a voz do pernambucano Elino Julião na radiola de Deolindo Mandaú, no início da Rua do Cancão.
Zé de Sebastião Chico acabou com a farinha de trigo do pai, distribuindo-a com os filhos de Dona Alda e os negrinhos dos tanques de Zé do Mato, e proporcionando um mela-mela inesquecível. Eu era cabeludo, um menino levado, e fiquei com os cabelos tipo rastafári, de tanta farinha grudada.
Outros se divertiam fantasiados de caretas, preparando as máscaras com um tecido qualquer e usando a criatividade para ser mais bonito ou assustador. O mais famoso era o careta-cuia Sete Couros.
Até hoje eu penso ter visto um mascarado perder a cabeça, que caíra da carroceria de um jipe, mesmo meu pai me dizendo que devia ter sido uma máscara vermelha que alguém perdeu.
O bloco dos Arapapacas saía às ruas com roupas de cetim amarelas, em um cordão puxado pelo velho Joaquim Gomes, um dos comandantes da Revolta de Princesa, e eu ainda me lembro de Luizinho de Calu e Zé de Ana jogando talco Alma de Flores e desodorante Astro nas pessoas que assistiam ao desfile, sempre aos domingos e terças-feiras de Carnaval.
As novas gerações precisam aprender a fazer com pouco, porque nós fazíamos com quase nada.
*Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista e escritor