Maria José Rocha*
A criação de uma Secretaria Especial da Alfabetização, no Ministério da Educação, é um sopro de esperança. Iniciativa inédita, pois em mais de 80 anos de criação do MEC, nunca houve uma secretaria exclusiva para a alfabetização, o que causava estranheza num país com mais de 13 milhões de analfabetos e cerca de 60 milhões de subescolarizados.
A alfabetização é um desafio gigantesco. É inadmissível que 50% das crianças brasileiras não estejam alfabetizadas ao final do 3º ano do ensino fundamental. No Norte e Nordeste, os índices chegam a 70%.
Um relatório do Banco Mundial estima que o Brasil vá demorar 260 anos para atingir o nível educacional de países desenvolvidos em leitura e 75 anos em Matemática, porque o país tem um atraso secular e tem caminhado a passos muito lentos. O cálculo do Banco Mundial foi feito com base no desempenho dos estudantes brasileiros em todas as edições do Pisa, a avaliação internacional aplicada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).
A iniciativa do ministro, de elevar a alfabetização na hierarquia dos problemas educacionais, criando uma secretaria, uma estrutura própria, com equipe especializada e dedicada exclusivamente à alfabetização, ganha relevância histórica. Em 2002, participando da equipe de transição, verifiquei que no MEC havia um acanhado departamento para a educação de jovens e adultos, o que não atendia minimamente ao gigantesco problema da alfabetização nacional. Em 2003, como assessora especial do ministro da Educação, propus a criação da Secretaria, sem êxito. O ministro, possivelmente não convencido da relevância e dimensão da alfabetização, foi diluindo esta política tão exigente com políticas outras como educação continuada, questões étnico-raciais e políticas de diversidade. Implicitamente, o recado era que a alfabetização por si só não merecia uma secretaria. Uma secretaria só para alfabetização era um luxo. No Brasil, os políticos e autoridades educacionais discursam e incluem em todos os documentos de base como diretriz a erradicação do analfabetismo, embora pareçam sempre se arrepender em seguida, questionando como irreais, irrealizáveis e utópicos todos os projetos que propõem analfabetismo zero, 100% de alfabetização na 1ª série do ensino fundamental ou nenhum a menos.
Prorrogamos indefinidamente os prazos para a erradicação, como aconteceu no FUNDEF. No Plano Nacional de Educação (2001-2010), não foram instituídas estratégias de avaliação da alfabetização e dos seus programas, como foi realizado, competentemente, no ensino superior; protela-se demasiadamente a alfabetização das crianças pobres, admitindo que elas poderão alfabetizar- se em até três anos, mesmo quando institui-se o ensino de nove anos e foram dadas às crianças das classes populares a oportunidade de ingresso aos 4 anos. Exatamente quando se adotavam medidas para reduzir as flagrantes desvantagens em relação às crianças das outras classes, contraditoriamente fixava-se a alfabetização até os 8 anos, quando as crianças das classes abastadas se alfabetizam antes dos 7 anos, quase sempre aos seis anos. A alfabetização é onde tudo começa. E fracassar nesse momento pode representar o abandono da escola ou uma vida escolar sofrida, malsucedida, com repercussões, quase sempre desastrosas, na vida pessoal. Aplausos para o Senhor Ministro Velez!
*Maria José Rocha é mestre e doutoranda em Educação. Ex-deputada pela Bahia (1991/1999), preside a Casa da Educação Anísio Teixeira no Distrito Federal.