Hoje candidato a deputado federal, o delegado Miguel Lucena (PTB) fez no ano passado um comentário que lhe custou a exoneração do setor de Comunicação da Polícia Civil
Hoje candidato a deputado federal, o delegado Miguel Lucena (PTB) fez no ano passado um comentário que lhe custou a exoneração do setor de Comunicação da Polícia Civil. Ao falar sobre como uma criança estuprada pagou o preço pelo “rodízio de padrastos” da mãe, ele foi reprovado pelo grupo em que proferiu a opinião e depois saiu, deixando um vácuo que ainda perdura na comunicação social da PCDF. Mesmo com a repercussão, ele diz não se arrepender e garante que, baseado em sua experiência, fez um alerta aos pais. Quando se afasta da polêmica, se aproxima de pautas progressistas, como combate à criminalidade com investimentos na educação de base. As facetas de Lucena ainda comportam uma lado poeta: fez as considerações finais da sabatina na forma de cordel. (Assista na íntegra na página do Jornal de Brasília no Facebook).
Por que não vai tentar subir a escadinha política começando com uma candidatura a deputado distrital?
Não vejo necessidade dessa escada. Represento uma instituição que tem todos os desejos ligados à União. Aumento de efetivo passa por Congresso e Presidência, nossos vencimentos passam pelo mesmo crivo, então não vejo muito o que fazer na Câmara Legislativa. Ainda há os projetos que defendo, como a federalização do Ensino Médio. Meu trabalho é em defesa da Segurança Pública e em combate aos privilégios aos criminosos e aos poderosos, como auxílio-moradia para quem já tem moradia e auxílio-pré-escola para ministro do Supremo. Esse combate só posso fazer da Câmara dos Deputados
Há pouco mais de um ano você foi exonerado da Comunicação da Polícia Civil após comentar que uma criança pagou pelo “rodízio de padrastos da mãe” e, por isso, foi estuprada. Olhando para trás, acha que o comentário foi infeliz? Não acha que jogou a responsabilidade para a mãe?
Uma minoria tachou meu comentário como machista, mas 90% da população me apoiou. O comentário foi feito em um grupo fechado e foi genérico, não para aquela mãe especificamente. Falei que as crianças estavam pagando um preço caro pelo rodízio de padrastos. Foi a constatação que fiz depois de anos como delegado-chefe de diversas delegacias sobre a falta de cautela das pessoas, que levam desconhecidos para dentro de casa. Não falei para discriminar as mulheres, mas porque 95% dos estupros são praticados por homens. Já vi mulheres que sofreram violências e nem sabiam o nome do cara. Uma delas ficou meses com um cara que ela só sabia que se chamava Doda.
Mas neste contexto, esse comentário não tira a responsabilidade do estuprador? Ninguém vem com aviso na testa dizendo que é criminoso.
Não vem, mas acredito que você não leve prostituta para dentro de casa. Não deve levar. Algumas pessoas levam indivíduos que eu, como delegado, mudaria de rua se visse. Levam para dentro de casa com filho pequeno, não sabem se é estuprador, assassino. O que fiz foi um alerta para as pessoas não fazerem isso. Se você tem filho, não pode levar uma vida que levaria se não tivesse. Se quiser, então não tenha filhos. Tem que tomar as decisões necessárias. Quem quer casar não pode jogar bola todo dia, tomar cerveja todo dia. Se você casa tem que ter compromisso com o outro. Tem que ter responsabilidade individual. A pessoa tem responsabilidade sim. Fiz uma critica a uma mãe que saiu às 2h para comprar droga, uma vela caiu e a criança morreu em casa e me criticaram por isso.
Não acha que esses comentários aumentam a discriminação com a mãe solteira?
A mulher tem o marido que quiser. Fiz um alerta para se adotar cautelas que todo mundo precisa. Não pode ser de qualquer jeito. Não discrimino a mãe, mas tem tanto lugar para namorar, como motel, moita, carro. Tem tanta violência doméstica porque as pessoas não conhecem (o parceiro), já partem para viver juntas.
Mas vários casos de estupro são crimes de membros da família, pessoas que você teoricamente conhece. Então esse argumento não se sustenta, não é?
Isso acontece, e uma das formas de evitar é vigilância. É preciso observar os sinais e a forma como as pessoas tratam as crianças. O pedófilo pode ser qualquer um. Não está escrito na testa, mas há sinais. A escolha da comida, da bebida, se trata mal o garçom, se humilha o tratador de carro, então você observa os sinais e só fica do lado daquele homem ou mulher violenta se quiser. Tem gente cega de paixão, que mesmo que veja o outro cometendo crime não acredita. É a cegueira deliberada.
Desculpa insistir, mas esse discurso não é uma forma de transferir a culpa para a mãe e acaba se tornando prejudicial para combater o estupro?
De forma alguma, estuprador tem que ir para a cadeia. O que fiz foi um alerta para que esse ciclo não seja repetido. Não podemos passar a mão na cabeça e nos cegar para isso. Não podemos deixar que as crianças continuem sofrendo por capricho sexual. Tem mãe que expulsa a filha de casa porque o padrasto tentou estuprar e a mãe teve egoísmo sexual. Esse alerta tem que ser feito. O estado também tem responsabilidade porque nos lugares mais pobres a criança não tem onde ficar, e fica com quem? Com um Doda da vida, com o irmãozinho mais velho. São 20 mil crianças sem creche no DF. No Hran, tem muita criança com queimadura porque estava sozinha em casa. Então o estado tem que agir. Se tivesse creche, estariam assistidas por professor e assistente social. Aí a criança se torna um criminoso e passamos para a parte de trancafiar os menores infratores. É uma inversão de valores. O governo tem recursos para resolver isso e, se não tiver, vamos destinar parte das emendas parlamentares para assegurar creches para nossas crianças.
Já tivemos representantes das polícias nas Câmaras Federal e Legislativa, mas não houve progresso das pautas das categorias. Por que acha que com você vai ser diferente?
É uma questão de conduta e coragem. Outros parlamentares cederam à tentação, enquanto eu já passei por órgãos públicos e nunca cedi. Não vou abandonar minhas convicções para aderir a um presidente da Câmara dos Deputados, nem para negociar determinadas coisas. E pelo que sei, nenhum deles (deputados ex-policiais) abriu mão da verba indenizatória. Eu já assinei documento para abrir mão e vou batalhar para federalizar a segurança pública e pela paridade da Polícia Civil com a Polícia Federal.
A paridade não é uma pauta para quem quer governar Brasília?
Nós arrancamos da Eliana (Pedrosa, do Pros) esse compromisso e ela disse que no segundo dia de governo vai enviar uma mensagem (ao governo federal) para debater o assunto. Quando as duas polícias surgiram, faziam parte do Departamento Federal de Segurança Pública e os policiais podiam optar entre ser da PCDF ou da PF. Quem optou por ser da PC para a continuar no DF hoje tem prejuízo de 60% (em relação ao salário dos federais). O argumento do governo era que a PC não podia ter o beneficio das outras corporações porque estava vinculada à PF. Só que a PF recebeu esses benefícios e a PC ficou largada na vala comum, sem colégio militar, serviço voluntário etc. Nossos salários viraram subsídios de parcela única, sem hora extra e adicional noturno como as outras corporações.
Existe o senso comum sobre se o civil quiser ganhar como federal, então deveria fazer concurso para isso.
É a mesma coisa de dizer que se o PM quiser ganhar como policial civil que faça o concurso. A PM tem sua desigualdade interna. Quem entra como soldado é discriminado porque antigamente o soldado era da classe popular, só tinha até primeiro grau. Mas esse argumento discriminatório que existia na caserna nem se sustenta mais, porque hoje o soldado já tem Ensino Superior, mas quem entra como soldado só pode atingir o posto de major.
Fonte: Jornal de Brasília