O brasileiro é pacífico e cordial? A ocorrência de mais de 60 mil homicídios por ano sugere que não. A violência que se exerce, porém, é covarde, atinge pessoas indefesas e bandidos comuns em acertos de contas. Os poderosos praticam as maiores barbaridades, sem nenhuma oposição violenta.
Servidores públicos do Rio de Janeiro se sujeitam a entrar numa fila para receber ração, sem que ninguém se arrisque a diminuir o pé do governador. No dia a dia, no entanto, os cariocas vivem em meio a balas traçantes como se estivessem em Alepo, faltando apenas os bombardeios.
Os casos de corrupção se avolumam nas altas esferas, mas nenhum desesperado resolveu virar homem ou mulher-bomba. No máximo, os mais revoltados cantam o Hino Nacional na Esplanada dos Ministérios, xingam-se de coxinhas e mortadelas e pulam nus no espelho d´água do Congresso.
A violência que se exerce no cotidiano contra os mais fracos é impiedosa. Assédio moral no local de trabalho, humilhações aos caídos, recusa a ajudar quem está à beira do precipício.
Quando algum endividado procura um suposto amigo para ajudá-lo de alguma forma, recebe de cara um sermão humilhante. Posudo, achando-se superior, humilha por horas e no fim não ajuda em nada.
O brasileiro, quando dá esmolas, tira o direito do pedinte de gastar o dinheiro doado, mesmo que seja 1 real, da forma que achar melhor. “Não vá gastar com cachaça!”, admoesta, humilhando ainda mais o esmoler.
Os mesmos que não ajudam ninguém, alegando mil e uma dificuldades, são capazes de esbanjar dez vezes mais do que ganham para se mostrar à sociedade, mantendo as aparências.
Em essência, o que prevalece mesmo são a opressão aos mais fracos e a submissão covarde aos poderosos.
*Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista e escritor.