Documento registrado em cartório tem confissão e pedido de desculpas ao irmão, segundo advogado. TRF também reduziu pena de Norberto e negou prisão imediata dele.
O empresário Norberto Mânica admitiu, em documento registrado em cartório, ser o mandante do crime conhecido como “Chacina de Unaí”, a 200 km de Brasília, em janeiro de 2004. Na ocasião, três fiscais do Trabalho e um motorista foram mortos.
A confissão foi confirmada pelo próprio advogado de Norberto, Marcelo Turbay. O empresário e o irmão, Antério Mânica, foram condenados em primeira instância a 100 anos de prisão. Os executores estão presos.
No julgamento dos recursos, nesta segunda-feira (19), o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, anulou a condenação de Antério Mânica – que deverá ser julgado novamente.
A pena de Norberto Mânica foi reduzida pelo tribunal – dos 100 anos da primeira instância, passou para 65 anos, 7 meses e 15 dias de prisão. Os desembargadores também negaram o pedido do Ministério Público Federal (MPF) por uma prisão imediata, ou seja, ele poderá recorrer em liberdade.
“A decisão do Tribunal foi tecnicamente correta, mas nesse caso ninguém ganha, todos perdem, pois muito sofrimento foi causado. A defesa respeitosamente se solidariza pela dor das famílias das vítimas, mas tem convicção que a decisão tomada está plenamente de acordo com a lei”, afirmou em nota o advogado Marcelo Turbay, que defende Norberto.
Confissão ‘surpresa’
O advogado diz que ele mesmo foi “pego de surpresa” com a confissão do empresário – um fato novo, 14 anos após o crime. Segundo Turbay, a carta registrada em cartório inclui um pedido de desculpas ao irmão, Antério, que nega envolvimento nas mortes.
O documento indica que Norberto teria encomendado a morte de um único auditor do Trabalho, e que os executores acabaram matando os outros membros da comitiva de inspeção (veja detalhes abaixo).
Com a nova informação, a estratégia de defesa mudou – em vez de pedir a absolvição, os advogados querem uma redução na pena de 100 anos de prisão. Na tribuna, Turbay disse que a equipe chegou a pensar em abandonar o caso.
“Defesa vem requerer que seja redimensionada a pena, muito embora fato novo tenha tomado de assalto a defesa. Defensores ameaçaram deixar o caso […] A defesa não o fez por imperativo ético e legal. A defesa requer anulação do júri e pede desculpas à família presente. Esse é o dever do advogado”.
No crime, cometido em janeiro de 2004 no Noroeste de Minas Gerais, três auditores fiscais do Ministério do Trabalho e um motorista foram assassinados durante uma investigação de trabalho escravo na zona rural da cidade.
Antério: novo julgamento
O fazendeiro e ex-prefeito Antério Mânica, acusado de ser um dos mandantes da Chacina de Unaí, em imagem de 2015
O primeiro recurso julgado nesta segunda foi o de Antério Mânica, ex-prefeito de Unaí pelo PSDB. Por 2 votos a 1, os desembargadores acataram o argumento dos advogados de Antério, de que as provas do processo contra ele são “insuficientes”.
A condenação tinha sido definida pelo Tribunal do Júri, em 2015, e também recaiu sobre Norberto. Ambos recorreram da pena em liberdade. O novo julgamento não tem data para ocorrer.
A sessão desta segunda (19) é acompanhada por parentes das vítimas e por fiscais do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Chacina de Unaí: relembre o crime
Em 28 de janeiro de 2004, os auditores fiscais do Ministério do Trabalho Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira foram assassinados em uma emboscada na região rural de Unaí.
O trio investigava denúncias de trabalho escravo na região. O episódio ficou conhecido como chacina de Unaí.
Os irmãos Antério e Norberto Mânica são acusados pelo Ministério Público Federal de serem os mandantes do crime.
Os intermediários, segundo a acusação, eram os empresários Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Os dois confessaram o crime.
Os matadores foram condenados em 2013. Eles já estavam presos preventivamente. Rogério Alan pegou 94 anos; Erinaldo Silva, 76; e William Gomes, 56.
Inicialmente, o processo tinha nove réus, mas Francisco Elder Pinheiro, acusado de ter contratado os matadores, morreu há três anos. Humberto Ribeiro dos Santos, segundo a defesa, teve a pena prescrita.
Por causa da chacina de Unaí, o Ministério do Trabalho estabeleceu 28 de janeiro como Dia do Auditor Fiscal do Trabalho e Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Segundo dados do Ministério Público do Trabalho, mais de 50 mil trabalhadores foram resgatados no Brasil desde 1995.