Maria José Rocha Lima
Quinhentos anos depois do “descobrimento”, o Brasil descobriu as crianças pequenas. Ainda bem. As recentes descobertas científicas sobre o desenvolvimento intenso do cérebro humano nos mil primeiros dias têm sido importantes para a adoção de políticas públicas. O país começa a se beneficiar desses conhecimentos e a colher frutos dessa política pela primeira infância com o reconhecimento internacional do programa federal Criança Feliz.
Embora tardiamente, celebramos esses bons ventos, reforçando as razões incontestáveis e a urgência de proteger a Primeira Infância, que são as crianças de zero a seis anos de idade.
Na fase de zero a dois anos, os estudiosos observaram um importantíssimo desenvolvimento cerebral. Cientistas informam que nos 1000 (mil) dias de vida o desenvolvimento cerebral é tão intenso que é possível estabelecer até 700 novas conexões neuronais por segundo, praticamente o dobro de sinapses executadas aos dez anos de idade, de acordo com estudos feitos pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (2015).
Essa razão já seria suficiente para priorizar a Primeira Infância, se não tivéssemos outras tão importantes quanto esta. O bebê humano nasce incompleto e precisa ser cuidado para integrar-se, temporalizar-se e personificar-se. Precisa aprender a mamar, a falar, a andar, a se relacionar com os outros, socializando-se, e ainda precisa singularizar-se. Segundo o pediatra inglês Donald Winnicott (1971), até a confiança no outro depende do atendimento nos primeiros momentos da vida.
Em 1803, o filósofo Immanuel Kant ensinava que o ser humano era a única criatura do reino animal que precisava ser educada. Na obra “Sobre a Pedagogia”, ele comparava o ser humano em relação aos demais animais e constatava que estes precisam basicamente da nutrição, mas não maiores cuidados, uma vez que seu instinto os capacitava desde cedo à sobrevivência.
O ser humano não tem os comportamentos fixados, a exemplo das palancas negras, antílopes que vivem nas matas de Angola, em grupos mais ou menos numerosos, no qual o chefe da manada é quem escolhe os pastos, indica caminhos, espreita os perigos e luta para disputar ritualmente a chefia. A palanca mais forte, ao invés de destruir a palanca mais fraca, põe a pata o pescoço da outra, e o combate termina.
O ser humano não tem inscritas maneiras de lidar com o outro e formas de controlar as emoções, de conter os impulsos, necessidades dramáticas a serem ensinadas e aprendidas. O resultado da negligência, do abandono, da não educação dos “menorzinhos” e da falta da educação na mais tenra idade é a geração de uma população de jovens delinquindo, promovendo uma crescente onda de violência, que assusta o país.
É preciso um esforço gigantesco para unir todas as forças dos governos, das instituições educacionais, pais, professores, especialistas em saúde e assistência social, profissionais de arte, da cultura e esporte, com o objetivo de prevenir e buscar solução para a banalização da vida, dedicando tempo, energia, conhecimento e muito amor na PRIMEIRA INFÂNCIA.
Maria José Rocha Lima é Mestre e doutoranda em educação. Deputada estadual da Bahia de 1991- 1999, é fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira