Deputado fugiu do Brasil antes da sentença na trama golpista. Parlamentar conseguiu atestado de ‘ansiedade generalizada’ e usou brechas para continuar votando no exterior.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta terça-feira (25) que a Câmara dos Deputados casse o mandato de Alexandre Ramagem (PL-RJ).
A decisão de Moraes sentencia definitivamente Ramagem a cumprir as penas por tentativa de golpe de Estado. Além da perda do mandato e dos direitos políticos, ele também foi condenado a 16 anos de prisão.
Moraes determinou também a prisão dos demais condenados do núcleo crucial do golpe, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Alexandre Ramagem deixou o país, segundo interlocutores da Polícia Federal, antes da conclusão do julgamento da trama golpista no Supremo. Ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ele desembarcou nos Estados Unidos na segunda semana de setembro, período em que a Corte o condenou.
A ordem de Alexandre de Moraes para cassar Ramagem e tornar a condenação definitiva será submetida a referendo dos ministros da Primeira Turma do STF. O rito para a cassação do parlamentar ainda não foi definido.
Pela decisão de Moraes, a perda do mandato deve ser decretada de ofício pela Mesa Diretora da Câmara. O entendimento do ministro é que o cumprimento da pena em regime fechado impede a presença de Ramagem na Casa, o que levaria o parlamentar a registrar faltas acima do limite permitido pela Constituição.
Decisão semelhante foi emitida pelo STF contra a deputada Carla Zambelli (PL-SP), que também fugiu do Brasil e pode ser extraditada da Itália a pedido do governo brasileiro.
Na ocasião, no entanto, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu ignorar a ordem de Moraes contra Zambelli e adotar um outro rito para a declaração da perda do mandato da parlamentar.
Quando um parlamentar sofre uma condenação criminal definitiva — o chamado “trânsito em julgado”, como é o caso de Zambelli e de Ramagem —, a análise da perda de mandato começa pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e é avaliada pelo plenário da Câmara, que pode concordar ou não com a ordem judicial.
Técnicos da Casa avaliam que Ramagem pode ter burlado as regras internas no período em que esteve fora do país
Normas que tratam do registro de presença e da habilitação para votação remota dizem que a possibilidade é liberada apenas para parlamentares que apresentam um requerimento formal de licença para tratamento de saúde.
Segundo a Câmara, Alexandre Ramagem entregou dois atestados de saúde dizendo que ele precisava se afastar. Para técnicos ouvidos pelo g1, esse tipo de documento serviria como uma justificativa para abonar ausências, e não deveria liberar a votação remota.
Em 9 de setembro, data que a Câmara aponta como a entrega do primeiro atestado de Ramagem, o parlamentar foi atendido por uma médica psiquiatra no Rio de Janeiro e foi diagnosticado com “ansiedade generalizada”.
No documento, a médica Maria João Noronha afirma que ele precisava de 30 dias de afastamento. O atestado foi anexado pela esposa de Ramagem, que também viajou para os EUA, em um processo no qual ela tenta obter, na Justiça do Rio de Janeiro, o ressarcimento de passagens aéreas.
Líderes partidários aliados do presidente da Câmara, Hugo Motta, afirmaram ao g1 que ele disse que a Casa analisará eventual burla de Ramagem às regras da Câmara. Eventual registro indevido de presença poderá levar, inicialmente, à responsabilização administrativa, como a cobrança dos dias informados indevidamente.
Procurada, a Câmara não informou se o teor do atestado é o mesmo apresentado à Casa. Também não se manifestou sobre os motivos que levaram à autorização para que Ramagem pudesse votar de forma remota, sem ter oficializado um pedido de licença médica.
Na última semana, a Casa informou que não autorizou missão oficial do parlamentar no exterior e que ele não comunicou que deixaria o país, como preveem as regras internas.
Segundo a Câmara, ele apresentou atestados médicos de 9 de setembro a 8 de outubro e de 13 de outubro a 12 de dezembro.
Ramagem diz que foi aos EUA para ‘proteção’
Após dias em silêncio, o deputado Alexandre Ramagem confirmou, em vídeo publicado nas redes sociais, que saiu do Brasil e viajou para os EUA. Ele disse que a movimentação foi feita para garantir a “proteção” de sua família.


